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A recuperação extrajudicial como alternativa viável para a superação da crise empresarial após a Lei n. 14.112/2020

    Marcelo Gazzi Taddei

    Advogado. Parecerista. Administrador Judicial em processos de Recuperação Judicial e Falência. Graduado e Mestre em Direito pela UNESP – Franca/SP. Professor de Direito Empresarial na UNIP – São José do Rio Preto, SP. Autor de artigos científicos em revistas jurídicas e co autor de livros. Professor convidado em cursos de Pós Graduação e na Escola Superior de Advocacia da OAB.

    1. A recuperação extrajudicial e a disrupção da insolvência empresarial no País

    A convocação pelo devedor dos seus credores visando à negociação extrajudicial do seu passivo era tratado no regime legal anterior como ato de falência, mas, nem sempre foi assim. O Dec. n° 917/1890, elaborado por Carlos de Carvalho, previa como meio preventivo da decretação da falência a moratória (arts. 107/119), o acordo preventivo (arts. 120/130) e a cessão de bens (arts. 131/138).

    No acordo preventivo, o comerciante regularmente inscrito que ainda não tivesse título protestado poderia requerer a homologação de acordo com credores que representassem, pelo menos, ¾ da totalidade do seu passivo. A homologação do acordo produziria o efeito de obrigar a todos os credores quirografários, mas, negada a homologação, decretava-se a quebra do devedor.

    O acordo extrajudicial foi banido do Direito brasileiro pela Lei n° 2.024/1908, que além de suprimir a concordata branca do seu texto, introduziu no País a moratória como causa de falência ao prever “convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de crédito ou cessão de bens”. Referida proibição foi mantida na Lei n° 5.746/1929 e no Dec. Lei n° 7.661/1945, ao repetir em seu art. 2°, III, a redação da Lei de 1908, prevendo que se presume insolvente o devedor que “convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens”.

    A recuperação extrajudicial introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 11.101/2005 equivale ao que era conhecido como concordata branca no regime falimentar anterior, cuja prática configurava ato de falência, sancionando qualquer iniciativa do devedor em reunir os credores para a negociação extrajudicial do seu passivo. Não obstante, a proibição legal, distanciada da realidade, não impediu que as partes continuassem a buscar um meio de resolver o problema extrajudicialmente, de forma paralela e informal.

    A concordata preventiva prevista no Dec.-Lei n° 7.661/1945 não atendia aos interesses dos devedores diante do exíguo prazo de pagamento de vinte e quatro meses, sendo 40% do pagamento no primeiro ano e os 60% restantes até o final do prazo. Além disso, superada a fase do pagamento de 40% do passivo quirografário, o devedor tinha que comprovar a regularidade das obrigações tributárias nos termos do art. 174 da lei falimentar e do art. 181 do Código Tributário Nacional, de forma que em razão das dificuldades para obter as certidões tributárias, a grande maioria das concordatas preventivas não chegavam ao final pela desistência do devedor.

    A Lei n° 11.101/2005, ao introduzir a recuperação extrajudicial no ordenamento jurídico, produziu verdadeira revolução na insolvência empresarial Pátria, permitindo que o devedor convoque os seus credores justamente para propor alternativas para o seu endividamento, que podem abranger dilação, remissão de créditos ou cessão de bens.

    Pelo instituto da recuperação extrajudicial, que corresponde a um procedimento simplificado de reestruturação de dívidas no qual o devedor submete à homologação judicial o acordo celebrado extrajudicialmente perante credores selecionados, o devedor e os credores podem chegar a um acordo utilizando-se de um instrumento menos formal que permite a continuação da atividade econômica com o sacrifício consentido dos credores, referente, por exemplo, a dilação do prazo de pagamento ou redução das dívidas, podendo permanecer a negociação no âmbito puramente extrajudicial ou o devedor submetê-la à homologação judicial para a vinculação de todos os credores e produção de efeitos de proteção.

    A recuperação extrajudicial objetiva evitar a falência buscando a reestruturação empresarial mediante processamento no qual o risco de falência não existe, correspondendo a uma alternativa prévia à recuperação judicial com maior celeridade, flexibilidade de negociação perante credores selecionados, simplificação de quóruns para aprovação do plano ou acordo, menor custo e preservação da imagem do devedor, além de absorver algumas vantagens da recuperação judicial como a suspensão das ações e execuções referentes aos credores abrangidos pelo plano homologado judicialmente.

    O aspecto revolucionário da recuperação extrajudicial, assim como as mudanças trazidas na reestruturação das negociações, aparentemente gerou a necessidade de maior tempo para os operadores do Direito e os agentes econômicos absorverem essa nova alternativa legal para a superação da crise empresarial. Juntamente com o aspecto cultural, isso pode ser uma das razões para a ainda reduzida repercussão da recuperação extrajudicial no âmbito judicial e escassa jurisprudência sobre o tema, principalmente quando comparada com a recuperação judicial.

    • Recuperação judicial x recuperação extrajudicial

    A recuperação judicial corresponde a um procedimento mais complexo e abrangente que o da recuperação extrajudicial, apresentando um custo processual mais elevado, que exige a nomeação do Administrador Judicial e quase sempre a realização de Assembleias Gerais de Credores, com quóruns complexos para a aprovação do plano. Os objetivos da recuperação judicial, previstos no art. 47 da Lei n° 11.101/2005, concentram-se na preservação da empresa, sua função social e no estímulo à atividade econômica, destacando-se como meio mais sofisticado para a superação da crise empresarial.

    A recuperação extrajudicial corresponde a uma alternativa prévia à recuperação judicial, pressupondo uma situação financeira e econômica do devedor que permita a negociação parcial mediante a apresentação de novas condições de pagamento perante credores selecionados, já que não se exige a participação de todos os credores ou a realização de Assembleia Geral de Credores para a aprovação do plano.

    Os meios para a superação da crise empresarial empregados na recuperação extrajudicial não apresentam grande complexidade, visto que para resolver problemas de liquidez o devedor propõe aos credores selecionados, na maioria das vezes, remissão ou dilação das dívidas, mediante acordo ou plano previamente elaborado com as condições de pagamento discriminadas.

    A recuperação extrajudicial assegura que um acordo celebrado entre o devedor e os credores selecionados, referente à forma de pagamento da dívida, seja apresentado à homologação judicial para, cumpridos os requisitos legais, vincule todos os credores por ele abrangidos, inclusive aqueles que dele discordaram. As negociações são realizadas no âmbito extrajudicial, tornando-se um processo judicial quando o acordo, já celebrado, é apresentado para homologação judicial com as assinaturas dos credores que atendam ao quórum mínimo legal para a vinculação de todos (cram down).

    Luis Felipe Salomão e Paulo Penalva Santos (2015, p. 289) ressaltam que a confusão conceitual entre os institutos da recuperação judicial e extrajudicial decorre da própria denominação escolhida pelo legislador, visto que a recuperação extrajudicial não objetiva recuperar a sociedade empresária nos moldes da recuperação judicial. Para os autores, sua melhor denominação seria acordo ou concordata extrajudicial, que se adequariam melhor à  finalidade e natureza jurídica da recuperação extrajudicial.

    A recuperação extrajudicial apresenta um procedimento mais simples, mais célere e menos custoso que o da recuperação judicial, no qual o devedor não precisa incluir todos os credores no plano ou acordo, podendo selecionar quais serão abrangidos na negociação. Referida flexibilidade na composição dos credores apresenta grande relevância ao permitir que o devedor, conhecedor das características do seu endividamento, garanta a reestruturação do seu passivo mediante a negociação com os credores que assegurem, ressalvadas as dificuldades existentes, o êxito das tratativas, sem a necessidade de ter que recorrer ao ajuizamento de um processo abrangente e caro como a recuperação judicial.  

    Outra vantagem da recuperação extrajudicial corresponde a ausência do risco de falência em caso de não ser alcançado o quórum mínimo legal para a homologação judicial do plano, risco este que existe na recuperação judicial, visto que havendo a rejeição do plano pelos credores, a previsão legal é a convolação da recuperação judicial em falência, dentre outras hipóteses previstas no art. 73 da Lei n° 11.101/2005.

    A preservação da imagem do devedor na recuperação extrajudicial também constitui ponto de destaque, visto que não havendo a necessidade ou a opção pela homologação judicial do plano, as negociações são mantidas no âmbito extrajudicial, preservando o devedor dos notórios efeitos negativos decorrentes da distribuição de um pedido de recuperação judicial perante o mercado.

    Embora existam casos concretos onde se verificou a nomeação de Administrador Judicial na recuperação extrajudicial, a intervenção desse importante auxiliar da justiça não é obrigatória e suas funções são reduzidas na recuperação extrajudicial, destacando-se que com a finalidade de obter maior segurança à correção do procedimento, vem se mostrando cada vez mais frequente suas nomeações nas recuperações extrajudiciais em que o devedor apresenta o pedido de homologação judicial do plano.

    As inovações trazidas pela Lei n° 14.112/2020 à recuperação extrajudicial, mediante as alterações promovidas nos arts. 161 à 167 da Lei n° 11.101/2005, contribuíram para significativo aprimoramento desse relevante instituto, conforme será demonstrado adiante. Não obstante, ainda é possível a identificação de pontos que exigem atenção, como por exemplo a ausência de proteção dos adquirentes na recuperação extrajudicial em relação aos passivos que acompanham a venda dos bens do devedor prevista no plano, já que o art. 66-A da Lei n° 11.101/2005 protege apenas a venda, sendo omissa a Lei n° 14.112/2020 em relação ao afastamento da sucessão empresarial.

    • Principais alterações na disciplina legal da recuperação extrajudicial pela Lei n° 14.112/2020

    As alterações trazidas pela Lei n° 14.112/2020, algumas decorrentes da própria jurisprudência, proporcionaram o aprimoramento da recuperação extrajudicial no País, tornando-a mais atraente como alternativa para a solução da crise empresarial em razão, principalmente, i) da inclusão de créditos trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho; ii) introdução do stay period aos credores abrangidos pelo plano; iii) redução do quórum para a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial; iv) possibilidade da distribuição do pedido sem o quórum legal mínimo que poderá ser alcançado no prazo de 90 dias da distribuição do pedido; v) proteção contra a ineficácia de atos praticados em cumprimento do plano de recuperação extrajudicial na hipótese de falência.

    A primeira alteração em destaque refere-se a maior abrangência de credores, visto que a Lei n° 14.112/2020 autorizou a inclusão dos créditos trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho, desde que exista negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. Apesar da exigência da negociação coletiva, deve-se lembrar que anteriormente não poderiam ser abrangidos pela recuperação extrajudicial os créditos derivados da legislação do trabalho.

    A exigência da negociação coletiva com o sindicato da categoria, além dos debates referentes à representação, pode constituir obstáculos para a inclusão dos credores trabalhistas na recuperação extrajudicial, já que o devedor poderá obter o mesmo resultado por meio de acordos coletivos perante a Justiça do Trabalho. A exigência da participação da negociação coletiva com o sindicato, não prevista na recuperação judicial, reflete a necessidade identificada pelo legislador de tutela dos trabalhadores pelo sindicato.

    Em relação ao cômputo do quórum dos créditos trabalhistas para análise da aprovação do plano de recuperação extrajudicial, a votação ocorre de forma específica na espécie ou grupo de credores trabalhistas, entendendo-se que deve ser computado o quórum pela regra geral prevista no art. 163, caput, da Lei n° 11.101/2005, ou seja, pelo valor dos créditos trabalhistas.

    O art. 163 prevê que a homologação do plano “obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial”. Não deve ser aplicada na recuperação extrajudicial a regra prevista para o voto do credor na recuperação judicial, na qual o voto é por cabeça (quantitativo), independentemente do valor do crédito.

    Nos termos do art. 162 da Lei n° 11.101/2005, a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial exige que o documento contenha a assinatura dos credores aderentes, cuja representação pelo sindicato certamente será objeto de discussões com a correspondente necessidade da definição pela jurisprudência da dispensa das assinaturas dos credores e delimitação da participação do sindicato.

    Fábio Ulhoa Coelho (2021, p. 491) defende que a “concordância do sindicato relativamente à novação dispensa a adesão ao plano de recuperação extrajudicial de mais da metade dos empregados cujos direitos serão alterados”, destacando que “a submissão da minoria de credores (trabalhistas) se dá por representação sindical e não pela manifestação da maioria dos trabalhadores titulares de créditos.”

    Na recuperação judicial os credores trabalhistas podem ser representados individualmente e, quando ausentes, podem ser representados pelo sindicato (art. 38, §5°, da Lei n° 11.101/2005). Na recuperação extrajudicial, diante da ausência de previsão legal específica, existem questões referentes à representatividade dos credores pelo sindicato que despertam divergências, destacando-se dentre elas a possibilidade da pluralidade de sindicatos e a divergência de votos entre o sindicato e os credores trabalhistas. Sem dúvida, são aspectos que exigirão a definição pela jurisprudência.

    O quórum legal para a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial previsto originalmente era de 3/5 dos créditos abrangidos pelo plano. Referido quórum mostrava-se superior ao exigido para a aprovação do plano na recuperação judicial, de forma que a redução do quórum legal para mais da metade dos créditos de cada espécie pela Lei n° 14.112/2020 proporcionou condições mais favoráveis a sua aprovação.

    A nova redação do art. 163 pela Lei n° 14.112/2020 prevê para a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial o quórum de mais da metade dos créditos de cada espécie ou grupo de credores abrangidos pelo plano, sujeitando apenas os credores não aderentes de cada espécie ou grupo de credores, ou seja, não existe a hipótese de cram down entre espécies ou grupo de credores, restringindo-se a vinculação dos dissidentes ao plano somente na referida espécie ou grupo de credores em que o plano foi aprovado.

    A Lei n° 14.112/2020 também autorizou expressamente a distribuição do pedido de homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial antes mesmo de alcançado o quórum legal mínimo de adesões dos credores, exigindo o art. 163, §7°, da Lei n° 11.101/2005 o quórum de pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie abrangido pelo plano para a distribuição antecipada do pedido de homologação.

    Referida previsão legal, aparentemente, busca incentivar a negociação do devedor e seus credores no ambiente do stay period. Não havendo o alcance do quórum legal no prazo improrrogável de 90 dias, contado da data do pedido, o devedor pode optar entre desistir da homologação ou requerer a conversão em recuperação judicial, não havendo nesse caso o risco de falência.

    A conversão da recuperação extrajudicial em recuperação judicial corresponde a uma opção exclusiva do devedor, não sendo facultada aos credores, Ministério Público e demais interessados. Determinada a conversão, a recuperação judicial seguirá nos mesmos autos da recuperação extrajudicial anteriormente proposta, com as anotações necessárias, cabendo ao devedor atender todas as formalidades legais previstas para a recuperação judicial.

    Importante inovação proporcionada pela Lei n° 14.112/2020 para a recuperação extrajudicial, que atribuiu maior segurança jurídica ao instituto com base em entendimento que a jurisprudência já vinha adotando, foi a previsão do stay period no art. 163, §8°, da Lei n° 11.101/2005, que prevê a suspensão das ações e execuções especificamente em relação às espécies de créditos abrangidos pelo plano desde a data do pedido de homologação judicial.

    Pela sistemática legal, a suspensão das ações e execuções pelo prazo de 180 dias, restrita aos credores abrangidos pelo plano, é automática, decorrendo do próprio ajuizamento do pedido. A inclusão do stay period na recuperação extrajudicial evita a necessidade da concessão de tutela de urgência para a suspensão das ações, bem como da análise da petição inicial e documentos que a instruem pelo fato de a suspensão ocorrer de forma automática.

    O stay period como meio de estabilização entre devedor e credores mostra-se essencial para assegurar um ambiente equilibrado e produtivo de negociação. Ao associar o stay period da recuperação extrajudicial ao art. 6° da Lei de regência, o legislador concedeu o prazo de suspensão de 180 dias na recuperação extrajudicial.

    Referido prazo é superior ao tempo previsto para a prática dos atos necessários à homologação do plano de recuperação extrajudicial, lembrando que o prazo para o alcance do quórum mínimo legal para homologação do plano é de 90 dias contado da distribuição do pedido (art. 163, §7°, da Lei n° 11.101/2005), de forma que na recuperação extrajudicial, havendo o trâmite processual normal, não deverá surgir a necessidade de debate quanto à prorrogação do stay period.

    Ainda sobre o stay period na recuperação extrajudicial, destaca-se a possibilidade de dedução do prazo de suspensão de até 60 dias decorrente da tutela de urgência cautelar obtida pelo devedor em eventual procedimento de conciliação ou mediação antecedente, instaurado perante o CEJUSC nos termos do art. 20-B, §§1° e 3° da Lei n° 11.101/2005. Havendo pedido de recuperação extrajudicial, o período de suspensão de 60 dias previsto no §1° do art. 20-B será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6°, tanto na recuperação judicial como também na recuperação extrajudicial (art. 20-B, §3° da Lei n° 11.101/2005).

    No caso de conversão de recuperação extrajudicial em recuperação judicial, não se identifica na Lei n° 11.101/2005 previsão referente a dedução do stay period da recuperação extrajudicial já transcorrido. Havendo a apresentação de novo pedido de recuperação extrajudicial, também não há previsão legal específica para a dedução do stay period da recuperação extrajudicial anterior na nova, não se afastando a possibilidade de entendimento a ser definido na jurisprudência sobre a questão a fim de corrigir eventuais abusos identificados.

    O stay period inicia-se automaticamente com a distribuição do pedido de recuperação extrajudicial, sendo ratificado judicialmente com o preenchimento do quórum legal para a homologação do plano. O stay period encerra-se com o indeferimento do pedido de homologação, decurso do prazo legal de 180 dias, com a homologação do plano de recuperação extrajudicial ou sua rejeição com base nas impugnações ou, ainda, pela desistência do devedor.  

    O art. 164 da Lei n° 11.101/2005 foi alterado para afastar a necessidade de publicação do edital para convocação dos credores em órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional da sede e das filais do devedor. A nova redação exige a publicação de edital eletrônico de convocação dos credores para impugnação ao plano de recuperação extrajudicial, ou seja, o edital eletrônico será objeto de publicação no diário oficial eletrônico.

    • Créditos abrangidos pela recuperação extrajudicial: art. 161, §1°, LFR

    De acordo com o art. 161, §1°, LFR, considerando a nova redação atribuída pela Lei n° 14.112/2020, estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no art. 49, §3° e 86, II, da LFR (proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável, vendedor titular de reserva de domínio e instituição financeira credora por adiantamento ao exportador), sendo que a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exigem negociação coletiva com o sindicato da categoria profissional.

    A reforma ocorrida em 2020 passou a admitir os créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho mediante negociação coletiva com o sindicato da categoria. Não obstante, evidente que a lei não proíbe que esses credores participem da recuperação extrajudicial e celebrem tratativas com o devedor, já que a lei apenas estabelece que não serão obrigatoriamente incluídos na recuperação extrajudicial, podendo, desde que de forma voluntária, ocorrer a inclusão desses credores.

    Em relação aos demais créditos excluídos da recuperação extrajudicial, existem aqueles que em razão da natureza e respectivos óbices legais, como se verifica em relação aos créditos tributários, não admitem livre transação e somente podem ser negociados nos termos da legislação específica. Não obstante, nada impede que um credor por alienação fiduciária ou arrendamento mercantil seja abrangido pelo plano de recuperação extrajudicial, caso as condições de pagamento atendam ao seu interesse.

    5. Vinculação dos credores ao plano de Recuperação Extrajudicial

    A recuperação extrajudicial é feita por espécies de créditos, conforme discriminado no art. 83 da Lei n° 11.101/2005 (LFR), que originalmente apresentava seis incisos, sendo que a Lei n° 14.112/2020 revogou os incisos IV e V e deixou de alterar o art. 163, §1°.

    Art. 83 A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

    1. os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 salários mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidente de trabalho;
    2. os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado;
    3. os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias;
    4.  (REVOGADO)
    5. (REVOGADO)
    6.  os créditos quirografários, a saber:
    7. aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo
    8. os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e
    9. os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
    10. as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias;
    11. os créditos subordinados, a saber:
    12. os previstos em lei ou em contrato;
    13. os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado; e
    14.  os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no art. 124 desta Lei.

    Nos termos do art. 161, §1°, da LFR, ficam excluídas da recuperação extrajudicial as espécies de créditos dos incisos I (crédito trabalhista sem negociação coletiva), III (crédito tributário) e VII (multas tributárias).

    Todas as demais espécies previstas nos demais incisos do art. 83 podem ser abrangidas pelo plano de recuperação extrajudicial, observadas as exceções já apresentadas no art. 49, §3° e 86, II, da LFR (proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável, vendedor titular de reserva de domínio e instituição financeira credora por adiantamento ao exportador).

    O plano de recuperação extrajudicial vincula todos os credores por ele abrangidos e que a ele aderiram, lembrando que o devedor não está obrigado a incluir todos os credores abrangidos pela recuperação extrajudicial.

    A critério do devedor ou para vincular os credores que não aderiram ao plano, bem como para obter a suspensão das ações e execuções (stay period), pode ser requerida pelo devedor a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, sendo que a partir do protocolo, nenhum credor que aderiu ao plano pode desistir, a menos que haja a concordância expressa de todos os demais credores aderentes .

    Se mais da metade dos credores de determinada espécie aderirem ao plano, a homologação judicial vincula também todos os demais credores abrangidos pelo plano daquela mesma espécie de crédito ou grupo de credores (cram down), conforme art. 163, caput, da Lei n° 11.101/2005.

    O §7º do art. 163 prevê a possibilidade de o devedor apresentar pedido de homologação do plano com a comprovação da anuência de credores representantes de pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, com o compromisso de no prazo improrrogável de 90 dias, contado da data do pedido,  atingir o quórum legal exigido mediante adesão expressa, facultando, ainda, a conversão do procedimento em recuperação judicial a pedido do devedor mediante o atendimento aos requisitos legais específicos.

    O art. 162 prevê que o devedor pode requerer homologação judicial apenas para os que aderiram ao plano, independentemente do número de credores aderentes, juntando suas justificativas e o documento contendo seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.  Após a distribuição do pedido de homologação judicial, os que aderiram ao plano só podem desistir da adesão com a anuência expressa dos demais signatários (art. 161, §5°, LFR).

    Havendo óbice à homologação, o Juiz indefere o pedido e extingue o feito, retornando todas as partes ao estado anterior ao pedido de homologação, sem risco de falência e com a possibilidade da apresentação de novo pedido de homologação de plano sem limite mínimo de prazo.

    6. Requisitos legais para requerer a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial: arts. 48 e 161, caput e § 3°, Lei n° 11.101/2005

    Para o devedor conseguir a homologação do plano de recuperação extrajudicial deve preencher os requisitos previstos nos arts.  48 e 161, caput e §3°, da Lei n° 11.101/2005:

    1. art. 48, LF: explorar regularmente a atividade empresarial há mais de 2 anos; não ser falido ou, se o foi, se encontrarem declaradas extintas suas obrigações por sentença transitada em julgado; não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial comum ou especial; não ter sido condenado ou não possuir administrador ou controlador condenado por crime falimentar;
    2. não se encontrar pendente nenhum pedido de recuperação judicial do devedor;
    3. não ter obtida a concessão da recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 anos.

    Cumpre ressaltar que os empresários excluídos da Lei n° 11.101/2005 pelo art. 2°, as sociedades simples e as cooperativas, não podem se beneficiar da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

    7. Restrições ao plano de recuperação extrajudicial

    Além dos requisitos referentes ao empresário requerente (requisitos subjetivos), a lei também prevê restrições ao plano de recuperação extrajudicial (requisitos objetivos), ou seja, o plano de recuperação extrajudicial para ser homologado deve preencher os seguintes requisitos:

    1. o plano não poderá prever o pagamento antecipado de dívidas (art. 161, §2°, LFR);
    2.  o plano não poderá prever tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos (art. 161, §2°, LFR);
    3. o plano somente pode abranger os créditos constituídos até a data do pedido de homologação judicial (art. 161, §1°, LFR);
    4. o plano pode prever a alienação de bem gravado ou a supressão ou substituição de garantia real somente se existir a concordância expressa do credor garantido – hipotecário, pignoratício (art. 163, §4°, LFR);
    5. o plano não pode prever o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira sem a autorização expressa do credor titular do respectivo crédito (art. 163, §5°, LFR).

    Da mesma forma que se verifica no âmbito da recuperação judicial, o Poder Judiciário pode exercer o controle de legalidade do plano de recuperação extrajudicial sem adentrar, contudo, em aspectos quanto a sua viabilidade econômica. Nesse sentido o seguinte julgado do E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

    “PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. Homologação. Admissibilidade. Créditos correspondentes a 52%. Adesão dos credores em condições de sobressair. Controle de legalidade: Somente é permitido ao Judiciário o controle de legalidade, ou seja, não cabe o controle de cláusulas atinentes à viabilidade/equilíbrio econômico do plano aprovado pela assembleia de credores, que é soberana sobre o tema. Enunciados 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial do CJF/CNJ. Alegação de nulidade da cláusula 10. Aplicação integral do entendimento firmado pela Segunda Seção do c. STJ no REsp 1.794.209/SP: “2. Cinge-se a controvérsia a definir se a cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a supressão das garantias reais e fidejussórias pode atingir os credores que não manifestaram sua expressa concordância com a aprovação do plano. 3. A cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição. 4. A anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição”. Sentença parcialmente reformada. Recursos dos réus parcialmente providos e desprovido o da autora.”

    (TJSP. Apelação n° 1000894-23.2021.8.26.0260. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Rel. Des. Natan Zelinschi de Almeida. DJ 19/12/2022)

    Na hipótese de o plano prever a venda de bens, destaca-se a previsão constante no art. 66-A da Lei n° 11.101/2005, estabelecendo que a “alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.”

    Por outo lado, se a venda é protegida pelo art. 66-A da Lei n° 11.101/2005, o mesmo não se pode dizer dos passivos que podem vir a acompanhar o ativo, o que evidentemente afetará o seu preço diante do risco da sucessão empresarial. A doutrina destaca a ausência de alteração específica para deixar claro que o adquirente do ativo do devedor em recuperação extrajudicial não pode ser responsabilizado pelas dívidas e contingências do devedor alienante, como se verifica na venda judicial da falência e recuperação judicial (arts. 66 e 141, LFR).

    Nesse sentido, embora admite-se que o plano de recuperação extrajudicial possa contemplar os meios de superação da crise previstos para a recuperação judicial no art. 50 da Lei n° 11.101/2005, a venda de bens do ativo do devedor, ainda que prevista em plano de recuperação extrajudicial homologado e que a venda ocorra judicialmente nos termos do art. 142, não apresenta na atualidade segurança jurídica ao adquirente quanto ao risco da sucessão empresarial, o que certamente prejudicará a eficácia dessa modalidade de recuperação diante da provável ausência de interessados na aquisição dos bens.

    9. Homologação facultativa do plano de recuperação extrajudicial: art. 162, LFR

    A nova redação do art. 6°, §8°, da Lei n° 11.101/2005 prevê que a distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, recuperação judicial ou homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor. Para a falência e recuperação judicial, o legislador exige apenas a distribuição, sendo que para a recuperação extrajudicial prevê a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial.

    Nos termos do art. 3° da Lei n° 11.101/2005, é competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede no Brasil.

    O art. 162 prevê que O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.

    É possível identificar na lei duas hipóteses distintas de homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial. A primeira, facultativa, é a homologação do plano que conta com a adesão da totalidade dos credores atingidos pelas medidas nele previstas, estando prevista no art. 162 da Lei n° 11.101/2005.

    Quando todos os credores cujos créditos são alcançados pelo plano aderiram a ele, a homologação judicial não é obrigatória para a sua implementação, ou seja, se o plano possui a assinatura de todos os credores atingidos por ele, a homologação não é condição para obrigá-los, visto que já concordaram com as condições de pagamento (dilação, remissão, etc.).

    Justifica-se a homologação facultativa em razão dos seguintes motivos:

    1. revestir o ato de maior solenidade, chamando a atenção das partes para a sua importância;
    2. possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, quando prevista no plano para a venda nos termos do art. 142 (art. 166, LFR);
    3. atribuir a sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial a natureza de título executivo judicial (art. 161, §6º, LFR);
    4. obter a suspensão das ações e execuções (stay period) em relação aos credores abrangidos pelo plano (art. 163, §8°, LFR).

    Ao requerer a homologação facultativa, o devedor deve instruir o pedido com a justificativa do pleito e o instrumento de recuperação extrajudicial (plano, acordo, termo, etc.) assinado por todos os credores aderentes. A instrução é mais simples nesse caso porque os efeitos da homologação judicial possuem menor alcance.

    10. Homologação obrigatória do plano de recuperação extrajudicial: art. 163, LFR

    O art.163, caput, prevê que o devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

    A homologação obrigatória trata-se de hipótese em que o devedor conseguiu obter a adesão de parte significativa dos seus credores ao plano de recuperação, mas, uma parte dos credores ainda discorda das suas condições.

    Nesse caso, com a homologação judicial do plano estendem-se os seus efeitos aos minoritários discordantes, suprindo-se assim a necessidade de sua adesão voluntária mediante o efeito conhecido como cram down. Para ser homologado com base no art. 163, o plano deve ostentar a assinatura de pelo menos mais da metade dos créditos de cada espécie ou grupo de credores abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

    Na realização do cálculo para a verificação da percentagem, os créditos em moeda estrangeira devem ser convertidos para a moeda nacional, segundo a taxa de câmbio da véspera da assinatura do plano pelos credores aderentes e não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43, LF (art. 163, §3°, I e II, LF). No cálculo do percentual de adesões mínimas não se computam os créditos titularizados por pessoas ligadas ao devedor, ou seja, as listadas no art. 43 da Lei n° 11.101/2005.

    Nos termos do art. 165 da Lei n° 11.101/2005, os efeitos da homologação do plano não podem ser anteriores a sua homologação, a não ser que se refiram ao valor ou forma de pagamento de crédito titularizado por credor signatário do plano. Para as demais alterações, referentes por exemplo à garantia, bem como para os créditos de quem não aderiu ao plano, os efeitos são necessariamente posteriores à homologação.

    Rejeitada a homologação por qualquer motivo, o credor que havia concordado com a mudança do valor ou da forma de pagamento readquire seus direitos anteriores à adesão, nas condições originais, deduzidos os valores eventualmente pagos pelo devedor.

    Portanto, para os credores que aderiram ao plano, assinando-o, os efeitos podem ser anteriores à homologação. Por outro lado, para os credores que foram obrigados pelo plano pelo cram down, os efeitos anteriores à homologação são vedados.

    11. Instrução da petição inicial do pedido de homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial

    11.1. Homologação facultativa: art. 162, LFR

    Para o pedido de homologação facultativa, a lei estabeleceu uma instrução bastante simples, consistente na justificativa e na apresentação do plano (documentos com os termos e condições). A simplicidade decorre do fato de os efeitos da homologação facultativa serem de menor extensão em comparação com a homologação obrigatória, afinal, o plano já conta com a assinatura de todos os credores por ele abrangidos.

    11.2. Homologação obrigatória: art. 163, §6°, LF

    A instrução do pedido de homologação obrigatória, em razão do maior alcance dos  seus efeitos perante os discordantes é mais complexa. Além da justificativa e do plano contendo a assinatura da maioria aderente, o devedor deve apresentar em juízo:

    1. exposição da situação patrimonial do devedor;
    2. demonstrações contábeis referentes ao último exercício social
    3. demonstrações contábeis referentes aos três últimos exercícios e as levantadas especialmente para instruir o pedido (30 dias antes do pedido);
    4. documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir (ato de investidura do administrador de sociedade empresária acompanhado do estatuto ou do contrato social, instrumento de procuração com poderes específicos),
    5. relação nominal completa dos credores (de todos os credores, não apenas dos credores sujeitos ao plano), com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros  contábeis de cada transação pendente (art. 163, §6°, I, II e III, Lei n° 11.101/2005).  

    12. Processamento do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial: arts. 164 à 167, Lei n° 11.101/2005

    O pedido de homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial não gera a suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação da falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial (art. 161, §4°, Lei n° 11.101/2005).

    Os credores abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial terão suspensas as ações e execuções em andamento, não podendo também requerer a falência do devedor pelos créditos constantes do plano de recuperação extrajudicial.

    11.1. Publicação do Edital eletrônico

    Recebido o pedido de homologação do plano, o juiz manda publicar Edital eletrônico (publicação no Diário Oficial Eletrônico), não sendo mais exigidas as publicações no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor.

    O Edital eletrônico objetiva a convocação dos credores do devedor para a apresentação de suas impugnações ao plano de recuperação extrajudicial (art. 164, caput, Lei n° 11.101/2005).

    11.2. Prazo para impugnação do plano e o envio de carta aos credores abrangidos pelo plano : art. 164, §1° e §2°, LFR

    Os credores (qualquer credor) terão o prazo de 30 dias, contado da publicação do Edital eletrônico para impugnarem o plano, juntando a prova do seu crédito. No mesmo prazo (30 dias), o devedor deverá comprovar o envio de carta a todos os credores sujeitos ao plano, domiciliados ou sediados no País, informando a distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para impugnação (o prazo de 30 dias nesse caso é contado a partir da publicação do Edital eletrônico).

    11.3. Objeto da impugnação: art. 164, §3°, LFR

    De acordo com o art. 164, §3°, da Lei n° 11.101/2005, na impugnação ao plano de recuperação extrajudicial, os credores (qualquer credor) somente poderão alegar:

    1. não preenchimento do quórum de credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie ou grupo de credores;
    2. prática de qualquer dos atos previstos no art. 94, III (atos de falência) ou do art. 130, LFR (simulação de crédito) ou descumprimento de requisito previsto nesta lei;
    3. descumprimento de qualquer outra exigência.

    11.4. Processamento da impugnação

    Apresentada a impugnação abre-se o prazo de 5 dias para a manifestação do devedor. Decorrido esse prazo, os autos são conclusos ao juiz, que decidirá no prazo de 5 dias sobre o plano de recuperação extrajudicial, homologando-o por sentença se entender que o pedido atende aos requisitos legais, se não houver fraude do art. 130 da Lei n° 11.101/2005 ou outras irregularidades. A homologação será indeferida se existir prova de simulação de créditos ou vícios de representação dos credores que subscreveram o plano.

    Da sentença que homologar ou indeferir a homologação cabe apelação sem efeito suspensivo (art. 164, §7°, Lei n° 11.101/2005).

    11.5. Reapresentação do pedido: art. 164, §8°, LF

    De acordo com art. 164, §8°, da Lei n° 11.101/2005, na hipótese de indeferimento da homologação, nada impede a reapresentação do pedido pelo devedor, desde que afastado o motivo que justificou a decisão denegatória, podendo ser apresentado novo plano.

    O indeferimento do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não é causa de decretação da falência do devedor e não existe intervalo mínimo de prazo para a apresentação de novo pedido pelo mesmo devedor.

    12. Nomeação do Administrador Judicial na recuperação extrajudicial

    Embora a recuperação extrajudicial caracterize-se pela menor intervenção judicial, destacam-se decisões em que os juízes, ressaltando a necessidade de zelar pela correção do procedimento e pelo cumprimento das normas de ordem pública, principalmente pelo fato que a aprovação do plano obrigará todos os credores por ele abrangidos, determinam a realização de verificação prévia e nomeiam o Administrador Judicial na recuperação extrajudicial.

    Embora a Lei n° 11.101/2005 não tenha previsto expressamente a nomeação do Administrador Judicial ou a verificação prévia da documentação apresentada pelo devedor no pedido de recuperação extrajudicial, constata-se em alguns processos de recuperação extrajudicial a nomeação de Administrador Judicial para análise preliminar dos documentos para a verificação da regularidade da documentação apresentada pelo devedor.

    Nesse sentido, destaca-se no âmbito doutrinário sobre a questão os seguintes entendimentos:

    “A lei não prevê a nomeação de administrador judicial, o que se coaduna com o princípio que norteia a recuperação extrajudicial, tendente a evitar despesas maiores, bem como a propiciar maior rapidez no andamento do pedido de homologação. A propósito João Pedro Scalzilli (pg. 375) louva a redução dos atos processuais, relembrando a desnecessidade de nomeação de administrador, com a diminuição dos custos, comparativamente à recuperação judicial. No entanto, e sem embargo de inexistência de previsão legal, poderá o juiz, se acaso o pedido trouxer complexidade especial, nomear administrador para auxiliar no exame da documentação apresentada com a inicial e para acompanhamento na fiscalização do feito.

    O trabalho do administrador será no sentido deste exame inicial e para fornecer ao juízo elementos de que acaso careça o pedido inicial, bem como fiscalização do andamento até a homologação, desnecessária qualquer fiscalização do cumprimento após a homologação. Claro que tendo em vista o menor trabalho que será exigido do administrador, o juiz tomará o cuidado necessário para que tal nomeação não venha a onerar, de forma muito acentuada, o autor do pedido de homologação.”

    (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2021. pp. 538/539)

    “Ao contrário da decisão de processamento da recuperação judicial, não há previsão de nomeação de administrador judicial na recuperação extrajudicial. Essa nomeação seria, a princípio, incompatível com a redução dos custos e da complexidade do procedimento buscada pela LREF.

    Entretanto, se a recuperação extrajudicial possuir grande quantidade de credores e ela submetidos, a análise das impugnações ao plano poderá revelar-se complexa e exigir do Magistrado estrutura e celeridade incompatíveis com a realidade atualmente existente no Poder Judiciário. Nessa hipótese, a nomeação do administrador judicial poderá ser excepcionalmente admitida. Deverá ser realizada nos termos dos artigos 21 e seguintes da Lei.”

    (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva. 2018. pp. 512/513)

    Na mesma linha, os seguintes julgados do E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. Divergências em relação aos créditos listados na classe quirografária, pertencentes a ex-sócio da devedora. Determinação de perícia prévia a fim de comprovar a higidez do crédito e o recebimento do preço pela sociedade. Correção. Existência de indícios que lastreiam a providência acautelatória determinada pelo juízo. Crédito relevante para fins de aprovação do plano. Inexistência de prova de ingresso dos valores no caixa da sociedade. Questão a ser dirimida pelo perito. RECURSO DESPROVIDO”

    (TJSP. AgI nº2204539-64.2018.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Rel. Des. AZUMA NISHI. DJ 28/11/2018).

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. DECISÃO QUE DETERMINOU REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PARA VERIFICAR SIMULAÇÃO OU FRAUDE NAS CESSÕES DE CRÉDITO, FIXOU OS HONORÁRIOS PERICIAIS PROVISÓRIOS EM R$ 5.000,00, E IMPUTOU ÀS RECUPERANDAS O ÔNUS DO PAGAMENTO. RECURSO DAS RECUPERANDAS PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Preliminares de não conhecimento do agravo rejeitadas. Taxatividade mitigada do art. 1.015, do NCPC. Tese firmada pelo STJ em recursos repetitivos. Ausência de violação ao art. 1.016, I e IV, NCPC (requisitos da petição de agravo). 2. O magistrado é o destinatário das provas, cabendo a ele decidir, e até mesmo determinar, de ofício (art. 370, caput, NCPC), as provas que julgar necessárias para formação de seu convencimento motivado. 3. As regras do ônus da prova não se confundem com as regras de seu custeio, expressamente previstas nos arts. 91, §§1º e 2º, e 95, do NCPC. 4. No caso concreto, observa-se que a prova pericial foi requerida pelo Ministério Público, como custus legis. Credora/agravada que apenas aderiu ao pedido do Ministério Público. 5. Pagamento dos honorários periciais que deve observar as regras do art. 91, §§1º e 2º, do NCPC. 6. Ademais, deve ser afastado o valor arbitrado a título de honorários periciais provisórios (R$ 5.000,00), eis que a proposta de honorários, à luz do art. 465, §2º, I, do NCPC, deve ser apresentada pelo perito. 7. Agravo de instrumento parcialmente provido”

    (TJSP. AgI nº 2091136-83.2019.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Rel. Des. ALEXANDRE LAZZARINI. DJ 03/07/2019).

    Considerando o entendimento doutrinário e os julgamentos proferidos no âmbito do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, verifica-se a tendência de nomeação do Administrador Judicial nas recuperações extrajudiciais para a verificação prévia dos documentos apresentados pelo devedor e respectivo acompanhamento processual até o seu encerramento, com destaque para atuação específica na análise dos créditos relacionados e impugnações ao plano de recuperação extrajudicial.

    Conclusão

    Apesar da existência de pontos que ainda exigem superação, as alterações trazidas pela Lei n° 14.112/2020 proporcionaram maiores perspectivas para a recuperação extrajudicial no País como relevante alternativa existente à superação da crise empresarial mediante a reestruturação viável do passivo do devedor.

    Não obstante, a recuperação judicial deve continuar sendo a principal personagem no âmbito da insolvência empresarial, apesar de exigir estrutura de maior complexidade e a obrigatória intervenção do Poder Judiciário, com a correspondente morosidade e os inevitáveis custos.

    Essa tendência deve prevalecer no País pelo menos enquanto vigorar entre nós a preferência dos devedores e dos credores pela solução judicial dos litígios em detrimento da busca da negociação extrajudicial e preventiva para a superação da crise econômica e financeira.

    BIBLIOGRAFIA

    BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2021.

    COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2021.

    FELSBERG, Thomas Benes e CAMPANA FILHO, Paulo Fernando. A reestruturação de dívidas por meio da recuperação extrajudicial. In: Aspectos polêmicos e atuais da lei de recuperação de empresas. MENDES, Bernardo Bicalho de Alvarenga [Org]. D´Plácido: Belo Horizonte, MG. 2016. pp. 605/620.

    SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva. 2018.

    SALOMÃO, Luis Felipe e SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência: teoria e prática. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015.