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A venda de imóvel locado para terceiro e as cautelas necessárias

    Antonio Carlos Ventura da Silva Junior

    Advogado. Graduado pelo Centro Universitário de Rio Preto e pós-graduado em nível de especialização (lato sensu) em Direito das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista – UNESP de São José do Rio Preto, SP.

    Maio de 2024

    1. Contrato de Locação: principais aspectos

    Tanto nas locações residenciais, como nas locações comerciais é necessário que se tenha segurança jurídica. A locação no âmbito empresarial, exige grandes investimentos, sendo que esses investimentos englobam tanto o desenvolvimento empresarial propriamente dito, como a identidade e adequação do local onde estará estabelecida a sociedade empresária.

    Para o empresário, a locação de imóvel comercial para ser a sede da sua empresa, abrange mais que o imóvel alugado propriamente dito, trazendo para essa locação questões ligadas a investimentos, empregos, identificação e mercado, ou seja, a locação comercial está diretamente ligada ao desenvolvimento empresarial do locatário que não possui sede própria.

    Na definição de Fábio Ulhoa Coelho:

    “Locação é o contrato em que uma das partes cede temporariamente o uso e fruição de um bem infungível à outra, que, em contrapartida, obriga-se a pagar uma remuneração (designada, grosso modo, aluguel)”. 

     (COELHO, 2020, p. 165)

    A Lei nº 8.245/1991 (Lei de Locação) traz a segurança jurídica necessária para as questões locatícias, ressaltando que nos contratos de locação por tempo determinado, ao locatário de imóvel residencial ou comercial é assegurado que o locador não poderá reaver o imóvel locado durante o prazo estipulado para a duração do contrato.

    Referida previsão encontra-se no art. 4º da Lei nº 8.245/1991, in verbis:

    “Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado.”

    Dessa forma, o locatário está seguro ao tempo que ficará no imóvel locado e só terá que sair desse imóvel ao término do contrato, isso se não houver prorrogação ou renovação do contrato de locação.

    A Lei nº 8.245/1991, em seu art. 45, estabelece a nulidade de cláusulas que possam ser inseridas no contrato de locação para elidir os objetivos legais, como a proibição da prorrogação prevista no art. 47, no caso de locação residencial e o direito de renovação previsto no art. 51, no caso da locação não residencial ou, ainda, no caso de cláusulas que estipulem obrigações pecuniárias, conforme se verifica:

    “Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”

    Mas, como a lei prevê a possibilidade de o contrato de locação ser ajustado na forma verbal ou por escrito, alguns efeitos somente serão alcançados se o contrato estiver na forma escrita.

    Daí a importância de o contrato de locação ser formalizado na forma escrita, visto que na forma verbal presume-se que a locação é por tempo indeterminado.

    Portanto, para que o locatário tenha a garantia de permanência no imóvel locado, o contrato de locação deve ser formalizado na forma escrita e com tempo determinado, sendo que nesse formato o locador não poderá solicitar a desocupação do imóvel pela simples mudança de ideia.

    Wilges Bruscato, ao tratar da proteção do ponto comercial, assevera:  

    “É imperativo, portanto, que o ajuste locatício seja feito por escrito. Muito embora seja perfeitamente aceitável contratar locação de modo verbal, no caso do empresário é fundamental que isso seja reduzido a termo. Não só a contratação original, mas as renovações sucessivas também. É que sem o contrato escrito a prova dos demais requisitos estaria dificultada.

    Desse modo, se o empresário quiser se valer do direito à renovação compulsória deverá manter contrato escrito por prazo determinado.”

    (BRUSCATO, 2011, p.135-136)

    Porém, existem exceções e uma delas é o direito de o proprietário de imóvel alugado colocá-lo à venda.

    As outras exceções para a extinção do contrato de locação por tempo determinado, estão expressas no art. 9º da Lei nº 8.245/1991, sendo:

    (i) extinção por mútuo acordo;

    (ii) em decorrência de prática de infração legal ou contratual;

    (iii) em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;

    (iv) para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consentilas. 

    2. A possibilidade da venda do imóvel locado

    A Lei de Locação permite que o proprietário de imóvel alugado disponibilize a venda da propriedade a qualquer momento, mesmo que exista contrato de locação por tempo determinado vigente.

    Ocorrendo a alienação do imóvel alugado para terceiro, o adquirente pode denunciar o contrato, concedendo o prazo de 90 dias para que o locatário desocupe o imóvel, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato apresentar cláusula de vigência em caso de alienação e, ainda, se o contrato de locação estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

    Essa previsão está contida no art. 8º Lei nº 8.245/1991, in verbis:

    “Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

    § 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo.

    § 2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo  se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.”

    Ao comentar o art. 8º da Lei nº 8.245/1991, Gildo dos Santos destaca:

    “Na verdade, o adquirente não tem qualquer relação jurídica com o inquilino, o qual estabeleceu o liame locatício com o alienante.

    De tal modo, o comprador do bem locado é estranho àquela relação locativa que, por isso, não está obrigado a respeitar.

    De qualquer forma, a venda, só por si, não rompe a locação. Para tanto, é mister que o novo adquirente manifeste formalmente que não tem interesse em manter o liame locatício, avisando o locatário. Essa providência deve ser tomada no prazo que, agora, é de 90 dias a contar do registro imobiliário da venda e compra ou da promessa (compromisso) de venda e compra ou, ainda, da cessão. Para que isso se dê validamente, porém, é necessário que o contrato de locação não contenha cláusula de vigência contra o adquirente, e, se contiver tal condição, é preciso que esteja averbada na respectiva matrícula do imóvel.”

    (SANTOS, 2012, p. 58)

    3. As Condições para a Venda do Imóvel Locado

    O art. 27 da Lei nº 8.245/1991 traz condições as quais a venda do imóvel alugado deve obedecer, dando a preferência de aquisição ao locatário.

    Essas condições visam garantir que o locatário tenha seus direitos resguardados e, portanto, não se veja obrigado a deixar o imóvel de forma apressada e antes do vencimento do contrato.

    O art. 27 da Lei nº 8.245/1991, dispõe:

    “No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.

    Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.”

    Portanto, não é permitido anunciar ou negociar a venda de um imóvel alugado sem que, antes, seja o locatário devidamente comunicado com a indicação de todas as condições da proposta, que devem ser idênticas à proposta que seria apresentada a um terceiro, permitindo que o locatário tenha a preferência na compra do imóvel alugado.

    Essa comunicação pode ser feita mediante notificação judicial ou extrajudicial e até por outro meio, como telegrama, carta, e-mail, desde que se comprove a ciência inequívoca do locatário, ressaltando que a apresentação dessa oferta ao locatário deve ser feito de forma completa, evitando-se a existência de omissões ou vícios, devendo conter todas as informações do negócio, como o preço, forma de pagamento, se existem ônus e nesse caso, a forma de solução, bem como a titularidade do locador,  já que o direito de preferência incide nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão e também na dação em pagamento, devendo constar ainda o local e horário em que a documentação pertinente poderá ser examinada pelo locatário.

    O locatário terá o prazo de 30 dias contados a partir do recebimento da notificação ou outro meio com ciência inequívoca para manifestar seu interesse na aquisição do imóvel.

    O que acontece se o locatário não se manifestar demonstrando o seu interesse na aquisição do imóvel?  Nesse caso o direito de preferência caduca e o imóvel pode ser vendido livremente para terceiros.

    E como fica a questão da locação de imóvel vendido com contrato de locação por tempo determinado vigente? Caso o novo proprietário não queira continuar com o contrato de locação por tempo determinado vigente, após o registro da venda do imóvel alugado e desde que notifique formalmente o locatário no prazo legal, terá ele o prazo de 90 dias para desocupar a propriedade (art. 8º da Lei nº 8.245/1991).

    Passado o prazo de 90 dias contados do registro da venda ou do compromisso do imóvel locado, não ocorrendo a notificação formal do novo proprietário para o locatário desocupar o imóvel, presumese, após esse prazo, a concordância do adquirente na manutenção da locação.

    Nas palavras de Gildo dos Santos:

    “Decorridos aqueles 90 dias sem a necessária denúncia de que o adquirente, compromissário comprador ou cessionário pretende reaver a coisa, a locação ficará mantida, modificada, no entanto, quanto à figura do locador, que passa a ser o novo adquirente ou o compromissário comprador ou cessionário do bem. Nesse caso, na prática, significa que o comprador aceitou o inquilino, assumindo a posição de locador.”

    (SANTOS, 2012, p. 58)

    4. O Direito de Preferência do Locatário na Compra do Imóvel

    O direito de preferência do locatário na compra do imóvel é garantido por lei, independentemente de cláusula específica nesse sentido, sendo que o art. 27 da Lei de Locação (Lei nº 8.245/91) não exige condição, sendo faculdade do locatário exercer ou não a opção de compra do imóvel locado.

    Por sua vez, caso o locatário não seja comunicado sobre a venda do imóvel locado e o imóvel seja vendido para terceiro, poderá ele reclamar do alienante perdas e danos.

    É possível que o locatário não desocupe o imóvel locado que foi vendido à terceiro?

    O contrato de locação pode ser averbado junto a matrícula do imóvel e essa publicidade registral pode fazer toda a diferença para o locatário.

    O art. 33 da Lei nº 8245/93, prevê:

    “O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.”

    Portanto, se o contrato de locação não estiver averbado na matrícula do imóvel locado, restará ao locatário que não foi comunicado sobre a venda do imóvel locado pleitear do alienante eventual indenização por perdas e danos. Por outro lado, se o contrato de locação estiver averbado na matrícula do imóvel, o locatário terá a opção de exercer o seu direito de adjudicação sobre o imóvel locado.

    5. Cláusula de Vigência no Contrato de Locação

    Situação não muito comum nos contratos de locação, mas, que pode fazer toda a diferença para o locatário é a cláusula de vigência no contrato de locação.

    No ato da formalização do contrato de locação é possível ao locatário solicitar que conste no contrato de locação cláusula de vigência em caso de alienação do imóvel e promover a averbação do contrato de locação na matrícula do imóvel no registro imobiliário.

    Consta no art. 8º da Lei nº 8.245/1991:

    “Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.”

    Portanto, desde que o contrato de locação seja feito por tempo determinado e conste cláusula específica de vigência em caso de alienação do imóvel, estando o contrato de locação averbado na matrícula do imóvel, o locatário terá garantido o cumprimento do prazo do contrato de locação sem que uma eventual alienação do imóvel para terceiro afete o seu negócio no caso da locação não residencial.

    6. Conclusão

    O planejamento no início de uma relação locatícia, tanto por parte do locador como pelo locatário, pode evitar surpresas desagradáveis no decorrer da relação entre as partes. Nesse sentido, de extrema importância a definição das cláusulas entre os contratantes e a averbação do instrumento contratual no registro imobiliário.

    Bibliografia

    COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v.3. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. 2020

    BRUSCATO, Wilges. Manual de Direito Empresarial BrasileiroSão Paulo: Saraiva. 2011

    SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo Comentários à Lei 8.245/91. 7ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2012