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A Assembleia Geral de Credores após a reforma de 2020: aspectos legais e práticos

    Marcelo Gazzi Taddei

    Advogado. Parecerista. Administrador Judicial em processos de Recuperação Judicial e Falência. Graduado e Mestre em Direito pela UNESP – Franca/SP. Professor de Direito Empresarial na UNIP – São José do Rio Preto, SP. Autor de artigos científicos em revistas jurídicas e co autor de livros. Professor convidado em cursos de Pós Graduação e na Escola Superior de Advocacia da OAB.

    1. A grande reforma da Lei n° 11.101/2005

    A Lei n° 14.112/2020 proporcionou significativa reforma na Lei n° 11.101/2005, incluindo e modificando diversos dispositivos legais. Muitas alterações decorreram da absorção do entendimento dos Tribunais superiores sobre diversos pontos da insolvência empresarial, empenhando-se o legislador em positivar temas tratados na jurisprudência após mais de dez anos de vigência da lei.

    Nesse ponto destacam-se as novas previsões legais de i) proibição de atos constritivos sobre os bens do devedor em demandas judiciais ou extrajudiciais referentes a créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial ou falência (art. 6°, III); ii) possibilidade de prorrogação do prazo de suspensão das ações – stay period (art. 6º, §4°); iii) possibilidade da contagem do prazo do exercício regular da atividade econômica pelo produtor rural antes do arquivamento na Junta Comercial para o pedido de recuperação judicial (art. 48, §§2° e 3°), iv) novos meios de recuperação judicial (art. 50, XVII e XVIII); v) determinação para a realização da análise prévia de constatação para o deferimento do processamento da recuperação judicial (art. 51-A); v) possibilidade de ampliação do prazo de um ano para o pagamento dos credores trabalhistas na recuperação judicial (art. 54, §2°); vi) configuração da consolidação processual ou substancial no litisconsórcio ativo na recuperação judicial (arts. 69-G a 69-L).

    Por outro lado, as alterações buscaram atender às tendências voltadas ao incentivo de solução extrajudicial dos conflitos, por meio das conciliações e mediações antecedentes ou incidentais (arts. 20-A a 20-D), havendo também novas atribuições ao Administrador Judicial inseridas no art. 22 e a proibição do Devedor, até a aprovação do Plano de Recuperação Judicial, distribuir lucros ou dividendos (art. 6°-A). Também foi criado no art. 7°-A o Incidente de Classificação de Créditos Públicos para a definição dos créditos tributários na falência, sendo que o art. 51, II-e, IX, X e XI amplia a lista de documentos para a instrução do pedido de recuperação judicial.

    Nos arts. 69-A a 69/F foi disciplinado o DIP Financing, estabelecendo o art. 84, I-B, significativo  privilégio de recebimento do crédito pelo financiador em caso de convolação da recuperação judicial em falência, cujas hipóteses legais foram ampliadas pelo art. 73 para abranger o descumprimento dos parcelamentos ou transações fiscais e também quando identificado o esvaziamento patrimonial do Devedor que implique liquidação substancial da empresa em prejuízo aos credores não sujeitos à recuperação judicial, lembrando que a divisão da ordem legal dos créditos para pagamento na falência também foi simplificada no art. 83 pela reforma.

    Outras alterações da reforma introduziram importantes prazos, destacando-se o prazo decadencial de três anos para os credores apresentarem habilitações de crédito na falência (art. 10, §10) e o prazo de 180 dias, contados da juntada do Laudo de Arrecadação e Avaliação dos bens na falência, para a venda judicial dos bens (art. 142, IV), estabelecendo o art. 142, §3°-A, a possibilidade da realização de três chamadas para a alienação judicial dos bens, que serão vendidos em primeira chamada pelo valor integral da avaliação, por cinquenta por cento da avaliação em segunda chamada e por qualquer preço na terceira chamada, estando afastada a aplicação do conceito de preço vil pelo art. 142, V.

    A reforma também arrefeceu as exigências para a extinção das obrigações do Falido, reduzindo de 50% para 25% o percentual do pagamento dos créditos quirografários, após realizado todo o ativo, para permitir a extinção de suas obrigações (art. 158, II), sendo que o decurso do prazo de três anos contado da decretação da falência (art. 158, V) e o encerramento da falência (art. 158, VI) também constituem hipóteses legais para a extinção das obrigações do Falido.

    Por sua vez, a recuperação extrajudicial foi objeto de importantes aprimoramentos com a reforma, que a tornaram mais atraente como alternativa para a solução da crise empresarial em razão das alterações introduzidas no Capítulo VI, destacando-se i) a inclusão de créditos trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho; ii) introdução do stay period aos credores abrangidos pelo plano; iii) redução do quórum para a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial; iv) possibilidade da distribuição do pedido sem o quórum legal mínimo que poderá ser alcançado no prazo de 90 dias da distribuição do pedido; v) proteção contra a ineficácia de atos praticados em cumprimento do plano de recuperação extrajudicial na hipótese de falência.

    Houve também a introdução de um capítulo novo pela reforma, o Capítulo VI-A, que disciplina a “Insolvência Transnacional” e busca a cooperação entre juízes e autoridades do Brasil e de outros países nos casos de insolvência transnacional.

    No âmbito da Assembleia Geral de Credores, a experiência positiva na realização da assembleia na forma virtual durante a Pandemia COVID-19 inspirou o legislador, que permitiu a possibilidade da realização do conclave na forma virtual ou híbrida (arts. 39, §4°, II e III).

    A reforma trouxe outras relevantes alterações na Assembleia Geral de Credores, destacando-se i) a nova função prevista no art. 35, I-g, para deliberação dos credores reunidos no conclave sobre a alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do Devedor quando a venda não estiver prevista no Plano de Recuperação Judicial e for autorizada pelo Juiz, observadas as disposições constantes no art. 66, §1°; ii) dispensa da convocação mediante publicação do Edital em jornais de grande circulação, prevendo sua publicação no Diário Oficial Eletrônico e no website do Administrador Judicial (art. 36, caput); iii) possibilidade da substituição da Assembleia Geral de Credores por termo de adesão, votação realizada por sistema eletrônico que reproduza as condições de tomada de voto da AGC ou outro mecanismo reputado suficiente pelo Juiz (arts. 39, §4° e 45-A), sendo referidas deliberações fiscalizadas pelo Administrador Judicial mediante apresentação de parecer sobre a regularidade previamente à homologação judicial, com oitiva do Ministério Público (arts. 39, §5° e 45-A, §4°); iv) previsão expressa do voto ser declarado nulo por abusividade quanto manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem (art. 39, §6°); v) a cessão ou promessa de cessão de crédito habilitado deve ser imediatamente comunicada ao Juízo da recuperação judicial (art. 39, §7°); v) no caso de suspensão da Assembleia Geral de Credores convocada para votação sobre o Plano de Recuperação Judicial, a AGC deverá ser encerrada no prazo de até 90 dias contado da data da sua instalação; vi) a deliberação dos credores sobre o interesse na apresentação de um Plano de Recuperação Judicial elaborado pelos credores quando o Plano do Devedor for rejeitado na Assembleia (art. 56, §4º), mediante iniciativa do Administrador Judicial no mesmo conclave em que o Plano foi votado.

    Conforme se observa, a Lei n° 11.101/2005 foi objeto de inúmeras modificações  pela reforma de 2020, identificando-se opiniões divergentes quanto aos avanços decorrentes na evolução da insolvência empresarial no país, principalmente pelo fato de as alterações ocorrerem em plena Pandemia e sem o adequado debate entre os especialistas da área. De qualquer forma, “a lei está posta”, cabendo à doutrina e jurisprudência, no desenvolvimento de suas atribuições, contribuírem para os ajustes necessários nos casos concretos.

    • Existência facultativa da Assembleia Geral de Credores na Recuperação Judicial e na Falência

    Considerando as funções legais previstas para a Assembleia Geral de Credores (AGC) no art. 35 da Lei n° 11.101/2005, constata-se que não se verificando qualquer das hipóteses legais previstas não se verifica a obrigatoriedade da realização da AGC na recuperação judicial ou na falência.

    Na falência, dificilmente se verifica a instalação de uma AGC, visto que as hipóteses legais previstas para a sua ocorrência, raramente se verificam na prática. Por outro lado, são raros os processos de recuperação judicial nos quais não há a realização da AGC, convocada na grande maioria dos casos para análise e votação do Plano de Recuperação Judicial provocada pela apresentação de uma única objeção.

    Considerando que o art. 56, caput, prevê como pressuposto para a realização da AGC de votação do Plano a apresentação de objeção, nas recuperações judiciais os credores apresentam suas objeções para levar as negociações do Plano à Assembleia, ressalvando-se, o caso da recuperação judicial especial prevista para ME e EPP nos arts. 70/72, onde não há a convocação da AGC para análise do Plano, que será aprovado ou rejeitado com base nas objeções apresentadas pelos credores nos termos do art.  72, parágrafo único.

    Verifica-se pela importância atribuída à Assembleia Geral de Credores e pelo sistema de votos adotado, que o legislador valorizou a participação dos credores na recuperação judicial acreditando que o interesse coletivo pelo reerguimento prevaleceria sobre os interesses individuais, na expectativa de que os credores fossem os melhores juízes dos seus próprios interesses. Não obstante, os objetivos previstos pelo legislador muitas vezes deixam de ser concretizados.

    A necessidade da existência legal da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial pode ser contestada em razão de vários fatores, dentre os quais se destacam:

    a) as dificuldades práticas de reunir grande número de credores, principalmente quando domiciliados fora da comarca da recuperação judicial, o que foi solucionado pela possibilidade da AGC virtual ou híbrida;

    b) a indiferença da maioria dos credores; 

    c) as dificuldades dos credores na identificação dos pontos de interesse em razão da complexidade do processo de recuperação judicial;

    d) a tendência de autotutela dos credores, que buscam atender aos próprios interesses em detrimento do interesse coletivo;

    e) as despesas de convocação, instalação e realização da AGC;

    f) as despesas e ônus impostos aos credores para participarem da AGC presencial;

    g) a possibilidade sempre presente da influência dos credores mais fortes sobre os mais fracos;

    h) a possibilidade de manipulação de votos por meio da cessão de créditos.

    As críticas à Assembleia Geral de Credores repercutiram nas legislações de outros países, enfraquecendo a importância da AGC. No Brasil, a Lei n° 11.101/205 conferiu amplos poderes à Assembleia Geral de Credores, inversamente do que se verificava no âmbito do Dec-Lei n° 7.661/1945, em que a AGC embora apresentasse previsão legal (arts. 122 e 123), raramente se verificava em razão do acentuado desinteresse dos credores em sua formação.

    • Atribuições da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial e na falência

    O art. 35 estabelece de forma específica as atribuições da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial (art. 35, I) e na falência (art. 35, II).

    Na recuperação judicial, cabe à Assembleia Geral de Credores deliberar sobre:

    –  aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado   pelo Devedor;

    • constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
    • pedido de desistência do devedor, nos termos do art. 52, §4°;
    • escolha do nome do gestor judicial quando ocorre o afastamento do(s) administrador(es) da Recuperanda;
    • qualquer outra matéria de interesse dos credores;
    • alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor, não prevista no plano de recuperação judicial
    • alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor, não prevista no plano de recuperação judicial

    Nos termos do art. 56, havendo objeção ao Plano o Juiz convocará a AGC para análise e votação do Plano de Recuperação Judicial, que pode ser objeto de aprovação, rejeição ou modificação pelos credores, observado o quórum especial previsto no art. 45.

    Na Assembleia Geral de Credores os credores decidem pela constituição do Comitê de Credores, destacando-se que raramente se verifica qualquer interesse dos credores na constituição do Comitê de Credores.

    O Devedor em recuperação judicial, antes do deferimento do processamento da recuperação judicial pode peticionar requerendo a desistência, não se mostrando nesse caso  necessária a convocação da AGC para análise do pedido de desistência, afinal, foi apresentado antes da decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial. Referido entendimento também se verifica se a desistência for requerida após a apresentação do Laudo de Constatação Prévia positivo, desde que realizada antes do deferimento do processamento da recuperação judicial.

    Por outro lado, nos termos do art. 52, §4°, após a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, o pedido de desistência apresentado pela Recuperanda deve ser submetido à aprovação da Assembleia Geral de Credores.

    No caso de afastamento do administrador ou dos administradores da Recuperanda em razão das hipóteses previstas no art. 64, a AGC deve aprovar o nome do gestor judicial para assumir as funções de administração da Recuperanda, ressaltando-se que a substituição do administrador da empresa destituído pelo Juiz ocorrerá na forma prevista nos ato constitutivos ou do Plano de Recuperação Judicial.

    A alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor quando não prevista no Plano ocorrerá na AGC no caso previsto no art. 66, §1°, introduzido pela Lei n° 14.112/2020, ou seja, na hipótese de credores representantes de mais de 15% do valor total dos créditos sujeitos à recuperação judicial,  prestando caução correspondente ao valor total da alienação, no prazo de 5 dias da publicação da decisão que autorizou a venda, poderão manifestar ao Administrador Judicial interesse na realização da AGC para deliberar sobre a realização da venda autorizada pelo Juiz.

    Havendo referido pedido devidamente fundamentado por credores representantes de mais de 15% do valor total dos créditos sujeitos à recuperação judicial, em 48 horas do final do prazo de 5 dias, verificado o atendimento aos requisitos legais, o Administrador Judicial apresentará ao Juiz requerimento para a convocação da AGC destinada à deliberação sobre a venda dos bens integrantes do ativo não circulante, ressaltando-se que nesse caso as despesas com convocação e realização da Assembleia serão de responsabilidade dos credores que a solicitaram, de forma proporcional ao valor total dos seus créditos.

    Na falência, a Assembleia Geral de Credores possui as seguintes atribuições:

    • constituição do Comitê de Credores, escolha de seus membros e sua substituição;
    • a adoção de outras modalidades de realização do ativo na forma do art. 145;
    • qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

    O Comitê de Credores também não desperta interesse no âmbito falimentar e, considerando a rara hipótese da apresentação de forma alternativa para a realização do ativo na falência, dificilmente teremos a instalação da AGC para que credores representantes de 2/3 dos créditos presentes na AGC aprovem referida hipótese que poderia abranger, por exemplo, a constituição de uma sociedade de credores para adjudicar os bens arrecadados e continuar a exploração da atividade econômica.

    Portanto, muito comum na recuperação judicial para a análise e votação do Plano, raramente se verifica na falência a existência da Assembleia Geral de Credores.

    • Convocação da Assembleia Geral de Credores

    Nos termos do art. 36 a Assembleia Geral de Credores será convocada pelo Juiz por meio de Edital publicado no Diário Oficial Eletrônico e disponibilizado no website do Administrador Judicial com antecedência mínima de 15 dias da realização da Assembleia.

    Referido Edital deve conter local, data e hora da Assembleia em 1ª e em 2ª convocação (devendo existir o intervalo de cinco dias entre a data prevista para a 1ª e a 2ª), a ordem do dia e, se o caso, o local onde os credores poderão obter cópia do Plano de Recuperação Judicial que será objeto de deliberação e votação.

    De acordo com o art. 36, §1°, cópia do Edital de convocação deve ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do Devedor.

    A convocação da Assembleia Geral de Credores, realizada pelo Juiz, ocorrerá nos casos previstos em lei, a pedido do Administrador Judicial, do Comitê de Credores e de credores representantes de no mínimo 25% do valor total dos créditos de uma determinada classe (art. 36, §2°).

    O art. 36, §3° prevê que as despesas com a convocação e a realização da Assembleia são de responsabilidade do devedor ou da massa falida, salvo quando convocada a pedido do Comitê de Credores ou pelos credores, hipótese em que os requerentes ficam responsáveis pelo pagamento das despesas.

    A Lei n° 11.101/2005 não prevê a intimação pessoal de qualquer credor para participar da Assembleia, a convocação é regular desde que atendidas as formalidades previstas no art. 36.

    • Quorum de instalação da Assembleia Geral de Credores

    O art. 37, §2° estabelece que a Assembleia Geral de Credores será instalada em 1ª convocação com a presença de credores representantes de mais de metade do valor total dos créditos de cada classe, instalando-se em 2ª convocação com qualquer número de credores, não existindo impedimentos para a realização da Assembleia Geral de Credores em dias não úteis, como domingos ou feriados.

    De acordo com os arts. 99, §1° e 43, não são considerados para fins de verificação do quorum de instalação os credores elencados no art. 43 (suspeitos) e no art. 49, §§ 3° e 4° (excluídos da recuperação judicial). A Lei n° 11.101/2005 não estabelece a mesma restrição aos credores excluídos do direito de voto previstos no art. 10, §1° (retardatários) e 45, §3° (não sujeitos ao plano, para votarem no plano), que embora não tenham direito de voto, são considerados para a definição do quorum de instalação da Assembleia.

    6. Procedimento da Assembleia Geral de Credores

    Cabe ao administrador judicial, nos termos do art. 37 da Lei n° 11.101/2005, presidir a Assembleia Geral de Credores, sendo o responsável pela adoção das medidas necessárias para a sua realização, que abrangem a definição e preparação do local, lista de presença dos credores, levantamento de todos os credores que manifestaram o desejo de participar do conclave, assim como de seus respectivos créditos e classificação, a fim de estabelecer o percentual correspondente em cada uma das classes de credores para efeito de quorum e da aferição de votos para as votações a serem realizadas, além de outras medidas necessárias para permitir o regular desenvolvimento da Assembleia Geral de Credores de acordo com as exigências legais.

    Os credores que não cumprirem essas exigências de ordem legal não terão o direito de participar e votar na Assembleia Geral de Credores, mostrando-se prudente a vedação do acesso desses credores ao recinto onde será desenvolvida a Assembleia para evitar tumultos desnecessários, requisitando-se, se necessário, força policial para evitar problemas.

    Em relação ao desenvolvimento, em alguns casos a AGC é filmada e gravada para assegurar-lhe ampla transparência e afastar questionamentos, devendo ocorrer a entrega do material de áudio e vídeo ao juiz, juntamente com a ata da Assembleia e a lista de presença dos credores.

    O desenvolvimento da Assembleia Geral de Credores ocorre de acordo com as formalidades legais, que compreendem:

    a)  a assinatura pelos credores da lista de presença;

    b) composição da mesa;

    c) leitura do edital de convocação;

    d) debates e votação dos pontos indicados no edital;

    e) lavratura da ata e assinatura de acordo com as exigências legais;

    f) encerramento da AGC;

    g) encaminhamento da ata e da lista de presença ao juiz, mediante juntada aos autos.

     A primeira formalidade a ser atendida antes da abertura dos trabalhos é a assinatura pelos credores da lista de presença, na medida em que chegam ao local e exibem os documentos necessários à sua legitimação, devendo a assinatura ser encerrada no exato momento em que for dado início aos trabalhos, não sendo permitido o ingresso retardatário de nenhum credor para que seja preservada a base de cálculo e o resultado das votações não sofra alteração.

    A mesa da AGC é integrada pelo presidente e pelo secretário. O administrador judicial, salvo no caso de incompatibilidade (art. 37, §1°), será o presidente. Na sua ausência, o presidente será o credor presente titular do crédito de maior valor, nada impedindo que outro credor assuma se este declinar ou não se sentir preparado para a função.

    Cabe ao presidente a indicação do secretário, que será um dos credores presentes. Após a constituição da mesa é feita a leitura do edital de convocação, que contém a ordem do dia, seguindo-se a apreciação de cada ponto da pauta, mediante a realização dos debates, momento em que os credores podem exercer o direito de voz. Nessa fase é comum a realização de esclarecimentos pelos administradores da Recuperanda, profissionais que auxiliam o administrador judicial e pelo próprio administrador judicial. Concluídos os debates, segue a votação dos pontos na forma prevista pelo administrador judicial.

    Encerrada a fase de votação e apresentados os resultados dos pontos votados, ocorre a lavratura da ata e respectiva leitura para a aprovação dos presentes, encerrando-se a Assembleia Geral de Credores.  Nos termos do art. 37, §7°, da Lei n° 11.101/2005, a ata deve descrever o ocorrido na AGC, o nome dos presentes e as assinaturas do presidente, do devedor e de dois membros de cada uma das classes votantes, devendo ser entregue ao juiz, juntamente com a lista de presença, no prazo de 48 horas da realização da AGC, mediante juntada aos autos.

    O juiz e o representante do Ministério Público possuem a prerrogativa de comparecer e assistir aos trabalhos da Assembleia Geral de Credores, sem, entretanto, interferir ou influenciar nos debates e na votação. O Devedor e os seus administradores, se convidados pelos credores ou convocados pelo juiz, devem estar presentes para prestar esclarecimentos, mostrando-se imprescindível a presença do Devedor ou do seu representante na AGC que deliberar sobre o Plano, já que para a modificação do Plano é indispensável a concordância do Devedor.

    As formalidades legais para a convocação, instalação e desenvolvimento da Assembleia Geral de Credores devem ser observadas em razão das consequências decorrentes dos vícios da Assembleia no processo de recuperação judicial ou falência. É certo que o descumprimento de qualquer formalidade legal acarreta a invalidação da Assembleia, configurando vício anulável.

    As deliberações da Assembleia Geral de Credores, nos termos do art. 39, §2°, serão válidas e produzirão os efeitos previstos ainda que exista decisão judicial posterior declarando a inexistência de crédito, a alteração de seu valor ou de sua classificação.

    De acordo com o critério legal adotado, as deliberações serão tomadas e validadas considerando a situação dos credores e respectivos créditos no dia da realização da Assembleia, de forma que qualquer alteração futura referente à existência, valor e classificação dos créditos, não afetará os resultados obtidos no conclave.

    O critério legal adotado objetiva, ao que tudo indica, atribuir celeridade ao processo, evitando a ocorrência de anulações das decisões assembleares que conduziriam a realização de sucessivas Assembleias em razão de futuras alterações nos créditos dos credores que participaram das votações.

    A possibilidade de alteração nos créditos, quanto à existência, valor e classificação, decorre do procedimento legal previsto para as impugnações de crédito (arts. 8, 11 a 18) e da hipótese de alteração do quadro geral de credores prevista no art. 19, podendo ocorrer até o encerramento do processo.

    Por outro lado, o art. 39, §3°, dispõe que:

    “Art. 39.

    §3°. No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.”

    A possibilidade da existência de fraude, simulação, abuso de poder, abuso de direito, compra de votos, falsidade, erro essencial, dentre outras práticas ilícitas capazes de alterar indevidamente os resultados obtidos nas deliberações da Assembleia Geral de Credores impôs ao legislador a previsão de meios destinados a coibi-las, preservando-se, assim, a finalidade da AGC.

    No caso de invalidação da decisão assemblear decorrente de vício de convocação, instalação ou deliberação ou, ainda, decorrente da prática de ato ilícito, o art. 39, §3°, assegura a preservação dos direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa. Assim, se o Plano de recuperação judicial prevê a venda de estabelecimento empresarial do Devedor, a invalidação da deliberação que aprovou o plano não gera a ineficácia da compra e venda realizada pelo terceiro de boa-fé.

    O sistema legal previsto visa à assegurar a manutenção das decisões assembleares, entretanto, diante da constatação de irregularidades e de fatos prejudiciais aos credores, reconhece a necessidade da invalidação de deliberação ou, se for ocaso, da própria Assembleia.

    Possuem legitimidade para requerer judicialmente a invalidação de deliberação assemblear ou da própria Assembleia Geral de Credores, considerando o disposto no art. 19, o Administrador Judicial, o Comitê de Credores, qualquer credor ou o representante do Ministério Público. Diante da possibilidade de a irregularidade constatada prejudicar o Devedor, não se verifica impedimento para que a invalidação da Assembleia ou de suas deliberações também seja por ele requerida.  

    Em relação à garantia de realização da Assembleia Geral de Credores, o art. 40 afasta a possibilidade do pedido de suspensão ou adiamento da AGC, por meio de provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório de tutela em razão de conflitos de interesses relativos à existência, quantificação ou classificação de crédito.

    O legislador objetiva impedir que divergências referentes aos créditos crie obstáculos à realização da Assembleia e retarde de forma injustificada o andamento processual. Nesse contexto, a existência de divergências referentes à existência, quantificação e classificação de crédito não impede que o credor titular do crédito sob discussão judicial participe da Assembleia, possuindo referido credor o direito assegurado pelo art. 17, Parágrafo Único, in verbis:

    “Art. 17.

    Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembleia-geral.”

    A previsão constante no art. 40 objetiva garantir a celeridade processual, impedindo que eventuais divergências referentes à existência, quantificação e classificação de crédito determinem a suspensão ou o adiamento da Assembleia Geral de Credores, o que causaria grandes transtornos, considerando as medidas preparatórias tomadas pelo Administrador Judicial para a organização da AGC, os deslocamentos dos credores e o descrédito decorrente das incertezas que sempre estariam presentes sobre a realização ou não da Assembleia.

    Considerando que o credor que discute a existência, valor ou classificação do seu crédito tem assegurado legalmente o direito de participar da Assembleia Geral de Credores, não parece que o art. 40 colide com o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário previsto no art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.

    A AGC pode ser suspensa ou adiada por provimento liminar quando o fundamento for diverso das razões indicadas no art. 40, para as quais a lei de regência já prevê outros meios do credor assegurar seus interesses sem impedir a realização da AGC.

    Na hipótese de descumprimento de formalidade legal imprescindível exigida para a convocação da Assembléia, a AGC pode ser suspensa ou adiada. Portanto, de acordo com a sistemática legal adotada, busca-se sempre a garantia da realização da Assembleia Geral de Credores, priorizando a celeridade processual e os interesses gerais dos credores em detrimento de interesse individual.

    A suspensão ou o adiamento da AGC colidem com os exíguos prazos legais e a demora na realização da Assembleia, além dos prejuízos impostos aos credores, também é prejudicial aos interesses do Devedor, que estará, nos termos do art. 6°, §4°, desprotegido se a Assembleia não ocorrer no prazo de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial ou no período de sua prorrogação.

    Nesse ponto destaca-se o art. 56, §9°, incluído pela reforma de 2020, prevendo que em caso de suspensão da Assembleia Geral de Credores para votação do Plano de Recuperação Judicial, a AGC deverá ser encerrada no prazo de até 90 dias contado da data da sua instalação.

    Constitui hipótese comum a aprovação pelos credores da suspensão da Assembleia instalada para votação do Plano para permitir que os credores e a Recuperanda tenham mais tempo para ajustar as negociações referentes às condições de pagamento previstas no Plano, frequentemente modificado para se ajustar aos interesses das partes, verificando-se em muitos casos a suspensão da AGC por mais de uma vez para permitir a conclusão das negociações.

    Em alguns casos o prazo legal de 90 dias não se mostra suficiente e, objetivando a conclusão das negociações, já existem recuperações judiciais em que os credores aprovaram a suspensão da Assembleia em prazo superior ao legal e os Tribunais, prestigiando a soberania da Assembleia Geral de Credores e os princípios previstos no art. 47, autorizaram excepcionalmente a suspensão por prazo superior a 90 dias.

    7. O voto do credor na Assembleia Geral de Credores

    Nos termos do art. 38 o voto do credor é proporcional ao valor do seu crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o Plano de Recuperação Judicial, o disposto no art. 45, §2°, em que os votos dos credores das Classes I – Trabalhista e da Classe IV – ME e EPP são computados apenas por cabeça (quantitativo), não se encontrando vinculados ao valor do  crédito.

    De acordo com o parágrafo único do art. 38, na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em AGC, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data da realização da Assembleia, considerando-se, a princípio, o valor de venda da moeda.

    Os credores com direito de voto, em regra, serão os arrolados no Quadro Geral de Credores ou, se ainda não consolidado, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7°, §2°, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor (art. 51, III). De acordo com o art. 39, caput, terá o direito de voto, em qualquer caso, o credor que se encontre habilitado na data da realização da AGC ou que tenha crédito admitido ou alterado por decisão judicial, inclusive os credores que obtiveram reserva de importância.

    Na fase de verificação e habilitação de créditos (arts. 7 à 20), diante do inconformismo em relação à decisão judicial referente à impugnação de crédito, o credor pode interpor Agravo de Instrumento, mostrando-se oportuna a elaboração de pedido liminar para assegurar-lhe o direito de voto na AGC. Nesse caso, nos termos do art. 17, parágrafo único, recebido o Agravo, o Relator pode determinar a inscrição ou modificação do valor do crédito no Quadro Geral de Credores para permitir ao credor exercer o direito de voto na Assembleia Geral.

    Cumpre ressaltar que podem comparecer na AGC todos os credores do Devedor, conforme se verifica pela análise dos arts. 39, §1° e 43, caput. Entretanto, o direito que os credores da Recuperanda possuem de participar da AGC não significa que eles também terão o direito de voto, mas, apenas o de voz.

    A lei exclui o direito de voto aos credores em determinadas hipóteses:

    a) credores retardatários, exceto os trabalhistas (art. 10, §1°);

    b) sócios do devedor, sociedades coligadas, controladoras ou as que tenham sócio ou acionista com a participação superior a 10% do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do capital social (art. 43); 

    c) credores titulares de créditos excluídos da recuperação judicial pelo art. 49, §§ 3° e 4° – credor fiduciário, arrendador mercantil, negociante de imóvel como vendedor, compromitente vendedor ou titular de reserva de domínio se houver cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade contratual, instituições financeiras credoras por adiantamento aos exportadores (art. 39, §1°).

    Além dessas hipóteses de vedação absoluta, destaca-se que os credores não abrangidos pelo Plano de Recuperação Judicial não terão direito de voto nas deliberações referentes ao Plano, conforme disposto no art. 45, §3°:

    “§3°. O credor não terá direito de voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.”  

    A exclusão legal do direito de voto ao credor não abrangido pelo Plano, justifica-se pela presumida ausência de interesse do credor não atingido pelo Plano, entretanto, em determinadas hipóteses, ainda que o Plano não altere o valor ou as condições originais de pagamento do crédito de determinado credor, é possível que o Plano coloque em risco seus  direitos e interesses.

    A previsão de trespasse ou a venda parcial de bens no Plano, que constituem meios legais de recuperação previstos no art. 50, VII e XI, resultam na redução do patrimônio do Devedor, afetando diretamente os direitos e interesses de todos os credores, sujeitos ou não ao Plano.

    Nesses casos e em hipóteses similares em que o Plano prevê meio de recuperação que atinge diretamente o patrimônio do Devedor, a regra prevista no art. 45, §3°, poderia ser excepcionada para assegurar ao credor que não teve alterado pelo Plano o valor ou as condições originais de pagamento do seu crédito o direito de voto, afinal, esse ponto do Plano atinge diretamente o direito e os interesses do credor.

    Entretanto, a adoção de referido entendimento, além de proporcionar maior complexidade na votação do Plano na Assembleia Geral de Credores, poderia motivar a ampliação de casos justificadores para a exclusão da regra do art. 45, §3°, trazendo insegurança jurídica.

    Vale lembrar que a exclusão do direito ao voto não exclui o direito de voz do credor e também não significa que o seu crédito não será, de forma absoluta, considerado para a definição do quorum de instalação da AGC.

    Apenas não são considerados para o quorum de instalação da AGC os credores excluídos do direito de voto previstos nos art. 39, §1° (credores excluídos da recuperação judicial pelo art. 49, §§3º e 4°) e as pessoas indicadas no art. 43. Os credores não abrangidos pelo Plano (art. 45, §3°) e os credores retardatários (art. 10, §1°), por ausência de restrição legal, terão os seus créditos considerados para a definição do quorum de instalação da AGC.

    Em relação aos credores retardatários, com a ressalva prevista aos titulares de créditos trabalhistas (art. 10, §1°), na falência os retardatários não votam na AGC enquanto o Quadro Geral de Credores contendo o crédito retardatário não for homologado. Atendida referida condição legal, eles adquirem o direito de voto no processo falimentar, conforme prevê o art. 10, §2°. Diferente é a solução para os credores retardatários na recuperação judicial, que não adquirem o direito de voto na AGC mesmo que seja reconhecida a existência do seu crédito, afinal, o referido §2° refere-se exclusivamente ao processo de falência.

    Questão que desperta interesse refere-se ao direito de voto dos credores não originários, ou seja, dos cessionários ou endossatários de créditos sujeitos à recuperação judicial. O direito de voto não é negociável, entretanto, o crédito pode ser objeto de negociação e, sendo o direito de voto indissociável do crédito, a possibilidade de negociação não poderia ser afastada.  

    Portanto, como o direito de voto encontra-se associado ao crédito, havendo a cessão de crédito, o novo titular passa a ter direito ao voto correspondente, lembrando, ainda, que nos termos do art. 39, §7°, a cessão ou promessa de cessão de crédito habilitado deve ser imediatamente comunicada ao Juízo da recuperação judicial.

    Considerando os desdobramentos decorrentes do direito de voto dos credores nos resultados da Assembleia Geral de Credores que refletem diretamente no processo de recuperação judicial, existindo conflitos referentes ao direito de voto dos credores, mostra-se oportuna, muitas vezes, a realização de simulações pelo Administrador Judicial para as deliberações da Assembleia Geral de Credores, sendo referidas simulações de votos, com e sem o voto questionado, apresentado na Ata para a apreciação pelo Juiz.

    Dependendo da natureza e importância do conflito verificado em relação ao direito do voto do credor, o Administrador Judicial pode proceder a realização da votação de determinadas deliberações com a participação do credor que tem o direito de voto em conflito e sem a sua participação, sendo os resultados obtidos discriminados na ata da AGC, que será juntada ao processo. No caso, as simulações de votação constituirão provas importantes que poderão contribuir para a solução de várias questões do processo de recuperação judicial.

    Em relação ao exercício do direito, o voto do credor na AGC pode ser exercido de forma direta, que será pessoalmente no caso de empresário individual ou, no caso de credor pessoa jurídica, por meio do seu administrador (representantelegal) na forma prevista no contrato social ou estatuto social.

    O art. 37, §4º, também permite o voto do credor mediante a constituição de procurador, desde que entregue ao Administrador Judicial, com a antecedência de 24 horas da data prevista para a realização da AGC constante no aviso de convocação, documento hábil que comprove seus poderes para participar e votar na Assembleia ou indique as folhas dos autos do processo em que referido documento se encontre. O mandato conferido para a participação na AGC deve encontrar-se acompanhada da cópia dos atos constitutivos.

    A exigência prevista no art. 37, §4°, vigora mesmo para os procuradores já constituídos e com mandatos juntados nos autos do processo de recuperação judicial, que não estão dispensados de atender às exigências legais no prazo indicado, sob pena de serem impedidos de representar o credor na Assembleia Geral.

    Referido entendimento objetiva atribuir maior segurança e tranquilidade ao desenvolvimento da Assembleia Geral de Credores, além de agilizar o controle de entrada dos credores e seus respectivos representantes, apuração do quorum de instalação e de deliberação, em razão dos procedimentos adotados pelo Administrador Judicial na organização da AGC (v.g. TJSP AgI n° 2262206-32.2023.8.26.0000).

    Considerando o número de credores e a extensão do processo de recuperação judicial, a exigência legal deve ser prestigiada para assegurar o êxito na instalação e no desenvolvimento da AGC.

    Em relação ao titular de crédito trabalhista ou derivado de acidente de trabalho, além da possibilidade dele se fazer representar por procurador nas mesmas condições estabelecidas para a generalidade dos credores, o art. 37, §5°, permite sua representação pelo Sindicato a que se encontra associado.

    Para tanto, nos termos do art. 37, §6°, o Sindicato deve apresentar ao Administrador Judicial, até 10 dias antes da Assembléia, a relação dos associados que pretende representar na AGC. Se o mesmo credor constar de mais de uma lista e não tomar a iniciativa de esclarecer ao Administrador Judicial qual dos Sindicatos o representa, até 24 horas antes do início da AGC, não poderá ser representado por nenhum deles.

    A representação pelo Sindicato somente existirá na hipótese de o credor não se encontrar presente na AGC, já que nessa hipótese, somente o credor que compareceu pessoalmente na Assembleia é que terá direito a voz e voto.

    O advogado, além de poder participar da Assembleia Geral de Credores como procurador de credor, exercendo o direito de voz e voto no lugar do credor e no interesse deste, atendidas as exigências legais para a representação na AGC, também pode participar acompanhando o credor para assessorá-lo, diante da prerrogativa profissional constante no art. 7°, VI, d, da Lei n° 8.906/1994, que assegura ao advogado ingressar livremente em qualquer assembleia ou reunião que participe ou possa participar o seu cliente.

    8. A composição da Assembleia Geral de Credores e os quoruns legais de votação

    De acordo com o art. 41 da Lei n° 11.101/2005, a Assembleia Geral de Credores será composta pelas seguintes classes de credores:

    1. titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho;
    2. titulares de créditos com garantia real;
    3.  titulares de créditos quirografários;
    4.  titulares de créditos enquadrados como ME ou EPP

    A divisão dos credores em classes na Assembleia do processo de recuperação judicial, na forma prevista, foi estabelecida para a votação das deliberações referentes à análise do Plano de recuperação. Para a composição do Comitê de Credores a divisão dos credores em classes ocorre na forma prevista no art. 26. Para as demais deliberações, como por exemplo, suspensão da AGC, nomeação de gestor judicial ou análise do pedido de desistência do Devedor, os credores não são divididos em classes, votam em plenário.

    O art. 41, §1°, o legislador ressalta que os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe de titulares de créditos trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho com o total de seu crédito, independentemente do valor.

    Referida previsão legal mostra-se relevante para afastar qualquer confusão que possa resultar do disposto no art. 83, I,  que estabelece a ordem de pagamento dos credores na falência limitando o pagamento privilegiado dos créditos trabalhistas a 150 salários mínimos por credor, sendo o saldo remanescente, nos termos do art. 83,VI, c, pago juntamente com os credores  quirografários. Portanto, o credor trabalhista, independentemente do valor do crédito titularizado, vota na classe I com a totalidade do seu crédito.

    Diferente é o tratamento previsto pelo art. 41, §2°, para os titulares de créditos com garantia real, que votam na classe II até o limite do valor do bem gravado e com os credores da classe III pelo restante do valor do seu crédito.

    No caso do credor titular do valor de R$500.000,00 que possui crédito com garantia hipotecária no valor de R$300.000,00, este credor vota com R$300.000,00 na classe II (credores com garantia real, até o limite do valor do bem gravado) e com o valor restante, R$200.000,00, na classe III – quirografários, pelo valor que excedeu a garantia.

    O quorum geral para as deliberações da Assembleia Geral de Credores é o da maioria simples, considerando o valor do crédito titularizado pelo credor, conforme disposto no art. 42 da Lei n° 11.101/2005:

    “Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput  do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.”

    O sistema utilizado pelo legislador prevê que o quorum geral de deliberação é definido pelo valor dos créditos dos credores presentes na Assembleia Geral de Credores, de forma que a maioria dos presentes no plenário ou nas classes definidas em lei, de acordo com o valor do crédito titularizado, determina o quorum geral de deliberação.

    Ressalta-se que a maioria é determinada pelos créditos dos credores presentes na AGC, não se considerando o valor total dos créditos do processo de recuperação judicial ou da falência. Na forma prevista, a votação definida pela maioria dos credores presentes na AGC, para as deliberações em que a lei não estabeleceu quorum diverso, será suficiente para a aprovação ou rejeição da deliberação envolvendo, por exemplo, a suspensão da AGC, pedido de desistência do Devedor e a nomeação do gestor judicial.

    Conforme previsto no art. 42, apenas em três hipóteses existem exceções ao quorum geral:

    a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação (art. 45 c.c. art. 41): existem meticulosas regras, que serão apresentadas na sequência;

    b) aprovação de forma alternativa para a realização do ativo na falência (art. 46): o quorum é de credores representantes de 2/3 dos créditos presentes na AGC;

    c) composição do Comitê de Credores (art. 26): depende da deliberação de qualquer das classes de credores na AGC, divididos na forma prevista no art. 26, não sendo necessária a aprovação da constituição pela maioria simples em todas as classes, basta a vontade da maioria simples dos credores de uma única classe, calculada pelo valor dos créditos.

    9. Quroum para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial na Assembleia Geral de Credores

    A aprovação do Plano de Recuperação Judicial exige o atendimento a uma combinação de fatores, previstos no art. 45. Objetivando estimular a participação dos credores na Assembleia, o legislador adotou para a deliberação referente à aprovação do Plano o sistema da dupla maioria nas Classes II e III e somente do voto quantitativo (por cabeça) para os titulares de créditos das Classes I e IV.

    De acordo com esse sistema, o Plano de Recuperação Judicial deve ser analisado e votado com os credores divididos nas classes definidas no art. 41.

    Em cada uma das classes dos incisos II (credores com garantia real) e III (credores quirografários e credores com garantia real pelo valor que excedeu a garantia), o Plano deve ser aprovado por credores representantes de mais da metade do valor total dos créditos presentes à Assembléia e, de forma cumulativa, pela maioria simples dos credores presentes, configurando a dupla maioria (voto quantitativo e qualitativo).

    Nas classes I e IV, o Plano deve ser aprovado apenas pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. O quadro abaixo permite a visualização do sistema legal adotado para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial.

      QUORUM DE APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Art. 45  
      Classe de Credores (art. 41)    Natureza do crédito  Voto Quantitativo (n° de credores)  Voto Qualitativo (valor crédito)  Quorum de deliberação
          Classe I  Trabalhistas  (sem limite)        e acidentários    Maioria simples (mais da metade dos credores   presentes)    (NÃO) Não se considera o valor dos créditos desta classe    Somente por cabeça: maioria simples  
          Classe II    Garantia real (até o limite da garantia)  Maioria simples (mais da metade dos credores   presentes)    Maioria simples (mais da metade do valor total dos créditos desta classe presentes)    Por cabeça: maioria simples   Por crédito: maioria simples  
          Classe III      Quirografários e credores com garantia real ao que excedeu o limite de garantia    Maioria simples (mais da metade dos credores   presentes)    Maioria simples (mais da metade do valor total dos créditos desta classe presentes na AGC)  Por cabeça: maioria simples   Por crédito: maioria simples  
          Classe IV        ME e EPP      Maioria simples (mais da metade dos credores   presentes)    (NÃO) Não se considera o valor dos créditos desta classe    Somente por cabeça: maioria simples  

    De acordo com o sistema legal adotado, surge para o credor com garantia real a necessidade da definição do valor do bem dado em garantia para a distribuição dos seus votos entre as classes II e III, na hipótese do valor do bem ser inferior ao valor do crédito. Entretanto, a Lei n° 11.101/2005 não especifica o momento e a quem cabe a definição do valor do bem gravado.

    No processo que visa à superação da crise empresarial por meio da Lei n° 11.101/2005, o deferimento da recuperação judicial não é dependente somente pela aprovação do Plano na forma prevista no art. 45.

    A concessão da recuperação judicial também não se encontra condicionada à existência da Assembleia Geral de Credores convocada especificamente para a análise e respectiva aprovação do plano. É possível que no processo de recuperação judicial o benefício para a superação da crise seja concedido pelo juiz ainda que o Plano não seja aprovado na Assembleia Geral de Credores (art. 58, §1°), ou seja aprovado de forma tácita pelos credores, que por não apresentarem objeções ao plano, concordaram tacitamente com as condições previstas, mostrando-se totalmente desnecessária a AGC nesse caso (art. 56).

    Considerando que a realização da Assembleia Geral de Credores não constitui requisito obrigatório para a aprovação do Plano, diante da possibilidade da ausência da apresentação de objeções pelos credores e o fato de a recuperação judicial ser deferida pelo juiz mesmo diante da ausência da aprovação do Plano na forma prevista no art. 45, desde que observado o atendimento aos requisitos do art. 58, §1°, da Lei n° 11.101/2005, é possível a identificação de três sistemas de aprovação do Plano de Recuperação Judicial:

    a) sistema de aprovação tácita;

    b) sistema de aprovação extraordinária;

    c) sistema de aprovação ordinária.

    O sistema de aprovação tácita decorre do art. 56, caput, da Lei n° 11.101/2005, que determina a convocação da Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre o Plano de recuperação judicial se existir a apresentação de objeção por qualquer credor. Logo, se não existir objeção, a convocação da Assembleia Geral de Credores para a análise do plano mostra-se totalmente desnecessária, presumindo o legislador que os credores aprovaram o Plano de recuperação judicial de forma tácita. Nesse sentido, o art. 58, caput, da Lei n° 11.101/2005 dispõe:

    “Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei.”

    Referida hipótese, rara de se verificar na prática, já foi objeto de análise pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no AgI n° 990100050060:

    “Agravo. Recuperação Judicial. Plano de recuperação judicial. Ausência de objeções ao plano. Convocação de assembléia-geral de credores. Inteligência do art. 56 da LRF. Realização da assembléia com participação de credores representantes de cerca de 8% do passivo. Rejeição ao plano. Ineficácia da assembléia. Concessão da recuperação judicial com base no art. 58, dispensadas as certidões negativas tributárias. Credores arrolados no art. 49, §§ 3° e 4°, da LRF não se submetem aos efeitos do plano recuperatório. Agravo provido. (TJSP. AgI n° 990100050060. Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. DJ 06.04.2010)

    No referido julgamento, destaca-se o seguinte trecho do acórdão:

    “(…)

    Ocorre que a Lei n° 11.101/2005 é expressa no sentido de que, só haverá convocação de assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano recuperatório se houver objeção.

    Como não há dúvida de que não foi deduzida nenhuma objeção ao plano, a assembleia-geral não poderia ter sido convocada e, muito menos, realizada, mercê do que, a deliberação dos cinco credores é ineficaz e não pode ser acolhida como objeção.

    Destarte, considerando-se que a doutrina é pacífica no sentido de que o juiz só deve convocar assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano se houver a apresentação de objeção, bem como em face da tranqüila jurisprudência a respeito do art. 57 da Lei n° 11.101/2005, na linha de que, enquanto não editada lei sobre parcelamento especial dos débitos fiscais, não se mostras razoável exigir-se apresentação das certidões negativas de débitos tributários, é de rigor que se aplique o art. 58, ‘in verbis’: ‘Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor, nos termos do art. 55 desta Lei’. será provido o recurso para se conceder a recuperação judicial”.

    (TJSP.  AgI n° 990100050060. Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. DJ 06.04.2010

    Conforme se observa, não havendo objeções ao Plano é possível o deferimento da recuperação judicial sem a convocação da Assembleia Geral de Credores.

    O sistema de aprovação extraordinária, conhecido como cram down, encontra-se disciplinado no art. 58, §1°, que estabelece ao juiz o poder de conceder a recuperação judicial ainda que o Plano não seja aprovado na forma prevista no art. 45, desde que preenchidos os requisitos legais.

    A aprovação extraordinária ocorre quando o Plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado e desde que, na mesma Assembleia Geral de Credores tenha obtido, de forma cumulativa: a) voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à AGC, independentemente de classes; b) a aprovação de 3 das classes de credores, existindo apenas 3 classes de credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 delas ou, caso existam somente 2 classes votantes, a aprovação de pelo menos 1 delas, sempre nos termos do art. 45; c) na classe que houver a rejeição, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores, computados na forma dos §§1 ° e 2° do art. 45 da Lei n° 11.101/2005.

    Diante da possibilidade da aprovação extraordinária do Plano de recuperação judicial, considerando a necessidade da análise dos resultados obtidos, a votação do Plano na Assembleia Geral de Credores deve ser realizada de forma a permitir a precisa identificação dos requisitos legais configuradores do cram down. Para tanto, deve o Administrador Judicial adotar as medidas necessárias e informar o juiz, se for o caso, o atendimento dos requisitos previstos no art. 58, §1°, da Lei n° 11.101/2005. 

    O sistema de aprovação ordinário verifica-se quando são apresentadas objeções ao Plano que determinam a convocação pelo juiz da Assembleia Geral de Credores para a análise do Plano de recuperação e respectiva aprovação na forma prevista no art. 45.

    A aprovação do Plano pode depender da realização de alterações apresentadas e discutidas na AGC. Referidas alterações são possíveis desde que haja a anuência expressa da Recuperanda e que não impliquem na diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes, conforme expresso no art. 56, §3°.

    A aprovação do Plano pela Assembleia Geral de Credores, nos termos legais, observado o disposto no art. 57, determina o deferimento da recuperação judicial pelo juiz, a quem não cabe apreciar a consistência do Plano sob os aspectos econômicos ou financeiros, que foram objeto de consideração e votação pelos credores no conclave.

    Atendidos os requisitos legais para a aprovação do Plano pela AGC e estando em correspondência com o princípio da legalidade, observado o disposto no art. 57, o juiz deve deferir a recuperação judicial, fugindo de seu alcance a análise de questões econômicas ou financeiras, bem como a sua impressão pessoal sobre a viabilidade ou consistência do Plano.

    Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgamento proferido pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

    “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTROLE DO MAGISTRADO SOBRE O PLANO DE SOERGUIMENTO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VIABILIDADE ECONÔMICA. SOBERANIA DA AGC. LEGALIDADE. VERIFICAÇÃO PELO JUDICIÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS.  INADMISSIBILIDADE.  1. Processamento da recuperação judicial deferido em 24/05/2013. Recurso especial interposto em 04/11/2014 e atribuído ao Gabinete em 25/08/2016. 2.  A jurisprudência das duas Turmas de Direito Privado do STJ sedimentou que o juiz  está autorizado a realizar o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de credores. 3. O reexame de  fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. 4. Recurso especial não provido.”                   

    (STJ. REsp 1660195/PR. T3. Min. Nancy Andrighi. DJ 04.04.2017)                              

    No mesmo sentido, o I. Ministro Marco Aurelio Bellizze assevera:

    “Afigura-se absolutamente possível que o Poder Judiciário, sem imiscuir-se na análise da viabilidade econômica da empresa em crise, promova controle de legalidade do plano de recuperação judicial que, em si, em nada contemporiza a soberania da assembleia geral de credores. A atribuição de cada qual não se confunde. À assembléia geral de credores compete analisar, a um só tempo, a viabilidade econômica  da empresa,  assim  como  da  consecução  da  proposta apresentada. Ao Poder Judiciário, por sua vez, incumbe velar pela validade das manifestações expendidas, e, naturalmente, preservar os efeitos legais das normas que se revelarem cogentes. (…) Por ocasião da deliberação do plano de recuperação apresentado, credores, representados por sua respectiva classe, e devedora procedem às tratativas negociais destinadas a adequar os interesses contrapostos, bem avaliando em que extensão de esforços e renúncias estariam  dispostos  a  suportar, no intento de reduzir os prejuízos que se avizinham (sob  a  perspectiva  dos credores), bem como de permitir a reestruturação da empresa em crise (sob o enfoque da devedora).”

    (STJ. REsp 1532943/MT. T3. Rel. Min. Marco Aurelio Bellizze. DJ 13.09.2016)

    Contra a decisão que defere a recuperação judicial, nos termos do art. 59, §2°, caberá o recurso de Agravo de Instrumento. Nos termos legais, possuem legitimidade para a interposição do recurso qualquer credor e o representante do Ministério Público, identificando-se atualmente a interposição de recurso pelas Fazendas Públicas quando ocorre a concessão da recuperação judicial sem o atendimento ao disposto no art. 57 da Lei n° 11.101/2005.

    Na Assembleia Geral de Credores, o credor pode comparecer e votar favoravelmente ou contra a proposta apresentada, como também pode se abster de votar. No caso, como deve ser considerada a abstenção de credor em deliberação referente ao plano de recuperação judicial?

    Considerando o princípio da preservação da empresa expresso no art. 47, a abstenção do credor presente não deve ser interpretada de forma negativa em relação à aprovação do plano. Nesse sentido, o entendimento do ilustre Desembargador Alexandre Alves Lazzarini:

    “À luz dos princípios do artigo 47 da Lei n° 11.101/05, em especial o da preservação da empresa, para atender à sua função social, tem-se que de fato a abstenção deve ser interpretada em sentido positivo pela aprovação do plano.

    Esclarece-se:

    Em uma votação é dado ao credor escolher a aprovação ou rejeição do plano. Optando o credor por se abster, na realidade expressa uma vontade de indiferença (ou na linguagem comum o ‘tanto faz’) pelo destino da empresa em recuperação.

    Ora, o artigo 47, reforçado pelo artigo 58, §1°, além de princípios, importa em regras de interpretação. Ou seja, se para aquele que se abstém é indiferente o resultado da Assembléia-Geral de Credores, há que prevalecer o princípio da preservação da empresa, isto é, computa-se a abstenção, sempre, no sentido positivo da aprovação da empresa.

    (…)

    A abstenção, como anotado, tem dois sentidos, no sentido afirmativo (aprovação) tem como efeito a preservação da empresa e sua função social (manutenção do emprego, por exemplo) e, por conseqüência, a real possibilidade dos credores receberem ao menos parte do seu crédito; no sentido negativo (rejeição) não terá efeito algum, pois não haverá empresa, emprego e dificilmente os credores receberão algo de seu crédito.” [1]

    Na votação do Plano de recuperação judicial destaca-se a disposição introduzida no art. 39, §6° pela reforma de 2020, prevendo a possibilidade do voto ser declarado nulo por abusividade quanto manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem.

    A possibilidade da configuração da abusividade do voto já era reconhecida na jurisprudência (TJSP, AgI n° 2180329-07.2022.8.26.0000), evidenciando-se com mais frequência quando o credor encontra-se em situação decisiva para a definição da aprovação ou rejeição do Plano, por ser o maior credor ou o único credor de determinada classe (TJSP, AgI n° 2208230-13.2023.8.26.0000).

    Não obstante, para a configuração da abusividade exige-se a apresentação de evidências concretas, não se mostrando suficiente alegações genéricas para o afastamento dos efeitos do voto (TJSP, AgI 2164842-60.2023.8.26.0000). 

    Nas deliberações referentes ao Plano de recuperação judicial, destacam-se, em função dos diferentes entendimentos decorrentes do art. 49, §1°, as consequências da participação dos credores na Assembleia Geral. Referido dispositivo legal assegura aos credores da recuperanda a conservação de seus direitos em relação aos coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, permitindo que os credores possam, mesmo com a recuperação judicial, promover a execução de seus créditos contra avalistas, endossantes e fiadores da recuperanda.

    O art. 49, §1° permitiu o surgimento de quatro correntes distintas. A primeira delas prestigia o texto legal, assegurando ao credor exercer os seus direitos contra os coobrigados, conforme previsto em lei.  A segunda corrente mostra-se totalmente contrária ao disposto no art. 49, §1°, entendendo que os coobrigados também são beneficiados pela recuperação judicial.

    A terceira corrente, prestigia o caráter contratual da recuperação judicial, estendendo os efeitos da novação aos coobrigados desde que prevista no Plano de recuperação judicial e que os credores sujeitos aos seus efeitos a tenham aprovado sem qualquer restrição. No caso, os credores que não compareceram à Assembleia Geral, votaram contra ou se abstiveram não são atingidos pela previsão constante no Plano, prevalecendo o disposto no art. 49, §1°, em relação a esses credores.

    No caso, o Plano de recuperação judicial deve conter cláusula expressa estabelecendo que a novação prevista no art. 59, caput, aplica-se aos coobrigados, devedores solidários, avalistas e fiadores. De acordo com essa terceira corrente, a novação prevista no plano em face das garantias fidejussórias não se aplica aos credores presentes que se abstiveram de votar o Plano ou o rejeitaram e aos credores ausentes. Para que a novação seja aplicada aos coobrigados, excepcionando o disposto no art. 49, §1°, é necessária a anuência expressa dos credores, que voluntariamente concordam com a previsão excepcional presente no Plano. 

    A quarta corrente corresponde a uma variação da terceira e foi desenvolvida pelo Desembargador Manoel Justino Bezerra Filho. De acordo com o ilustre falencista:

    “o que se pretende aqui é firmar posição no sentido de que a aprovação expressa do credor só é necessária para o caso do §1° do art. 50 (supressão de garantia real), não havendo qualquer outro dispositivo que faça a mesma exigência para as demais ‘garantias’, entre elas, a prestada pelo fiador, endossante, avalista e garantidores fidejussórios em geral. Em consequência, a decisão da AGC acatando a liberação do coobrigado obriga aqueles que estão sujeitos à recuperação, independentemente da concordância expressa ou mesmo do comparecimento do credor garantido. Ou seja, a decisão da AGC obriga a todos os credores sujeitos à recuperação, mesmo os discordantes e os ausentes.”[2]

    No âmbito do C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA o entendimento foi sedimentado com o julgamento do REsp nº 1.333.349/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 885), destacando-se o seguinte trecho do voto do I. Ministro Luis Felipe Salomão, in verbis:

    “(…) Com efeito, percebe-se de logo que a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei n. 11.101/2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz, como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei n. 11.101/2005), as quais só serão suprimidas ou substituídas ‘mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia’, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º).

    Por outro lado, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os ‘credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas’ (art. 61, § 2º).

    Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daqueloutra, comum, prevista na lei civil.

    Nesse sentido, por todos, novamente Fábio Ulhoa dispõe sobre o tema:

    (…)

    Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral.

    Deveras, não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a decisão judicial”.

    Portanto, prepondera o entendimento que a novação resultante da concessão da recuperação judicial afeta somente as obrigações da Recuperanda (devedora principal) constituídas até a data do pedido, não havendo nenhuma interferência quanto aos coobrigados (fiadores, avalistas, obrigados de regresso).

    A concessão da recuperação judicial não impede o credor de perseguir seu crédito no tocante aos coobrigados, nos exatos termos do art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, conforme Tese Jurídica fixada (Tema Repetitivo 885) e Súmula n° 581/STJ:

    “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005”

    (Tema Repetitivo 885)

    “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”

    (Súmula n° 581/STJ)

    Não obstante, ainda desperta conflito a questão referente à possibilidade de o Devedor superar a determinação legal a partir da inclusão de cláusula no Plano de Recuperação Judicial que estenda a novação aos coobrigados, fiadores, obrigados de regresso e avalistas, bem como se a previsão de supressão das garantias reais pode ser imposta aos credores que não anuíram expressamente com referida previsão constante no Plano.

    No âmbito do C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (v.g. REsp n° 1.794.209/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 12.05.2021) destaca-se o entendimento pelo qual inexistindo manifestação do titular do crédito com inequívoco ânimo de novar em relação às garantias, não se mostra possível afastar a expressa previsão legal de que a novação não se estende aos coobrigados (art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005), principalmente no que se refere ao aval, que constitui obrigação autônoma.

    O art. 49, § 2º, da Lei nº 11.101/2005, ao estabelecer que as obrigações observarão as condições originalmente contratadas, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano, refere-se às obrigações, ou seja, deságios, prazos e encargos, não atingindo, de acordo com a sistemática legal prevista, as garantias.

    Assim, o Plano pode estabelecer prazos estendidos de pagamento, parcelamento dos créditos, deságios e alterar as taxas de juros, por exemplo, mas, a supressão das garantias exige a autorização do titular.

    Sobre o tema, destaca-se a conclusão apresentada pelo I. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva noREsp n° 1.794.209/SP, in verbis:

    “Assim, a conclusão que melhor equaciona o binômio “preservação da empresa viável x preservação da atividade econômica com um todo” é a de que a cláusula que estende a novação aos coobrigados seria apenas legítima e oponível aos credores que aprovarem o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz, portanto, no tocante aos credores que não se fizeram presentes quando da assembleia geral de credores, abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição, considerando que:

    1. a regra geral da LRF é a de que a novação atinge apenas as obrigações da sociedade em recuperação, com expressa ressalva das garantias concedidas aos credores;
    2. a extensão da novação aos coobrigados depende de inequívoca manifestação do credor nesse sentido, pois a novação não se presume;
    3. em relação às garantias reais, a lei de regência estabelece expressamente a necessidade de aprovação do credor na hipótese de alienação do objeto da garantia,
    4. a supressão das garantias por votação da maioria enseja o tratamento desigual entre os credores;
    5. no caso de declarada a falência, remanesce o interesse do credor com garantia real na manutenção do gravame sobre o bem, e
    6. o legislador previu novas formas de financiar a empresa em crise, não havendo justificativa para a oneração excessiva dos credores com garantia.

    Solução em sentido contrário, ou seja, a submissão ao plano de recuperação de credores que votaram contra a cláusula que prevê a exclusão de garantias, importa verdadeira afronta à segurança jurídica e seus consectários, visto que um credor que concede crédito e recebe em troca uma garantia, certamente precisa de segurança mínima de que essa garantia será respeitada, mesmo em caso de recuperação ou falência, na forma como prevista na Lei nº 11.101/2005.”

    Conforme se observa, a questão é controvertida e demonstra a importância da participação do credor na Assembleia para assegurar o seu direito contra os coobrigados, devendo ficar atento ao conteúdo do Plano para a definição da votação no Conclave com as ressalvas pertinentes no momento do voto.

    10. A apresentação de objeções ao plano e a convocação da Assembleia Geral de Credores no processo de recuperação judicial

    A Lei n° 11.101/2005, conforme visto, permite o deferimento da recuperação judicial sem a convocação da Assembleia Geral de Credores. Nos termos dos arts. 56, caput e 58, caput, não havendo objeção ao Plano o juiz concederá a recuperação judicial se cumpridas as exigências legais.

    De acordo com o sistema previsto pelo legislador a existência da AGC no processo de recuperação judicial não é obrigatória. A ausência da apresentação de objeções pelos credores ao plano é interpretada como aprovação tácita do plano, tornando totalmente desnecessária a realização da Assembleia, afinal, se os credores não apresentaram objeções é porque concordaram com os termos e condições previstas no plano recuperatório, sendo possível antecipar, nos termos legais, o resultado da análise do plano na AGC.

    O art. 56, caput, prevê que a existência de uma única objeção, apresentada por qualquer credor, determina a convocação da Assembleia Geral de Credores pelo Juiz para deliberar sobre o Plano de recuperação judicial.

    Considerando a abrangência da norma (qualquer credor), até mesmo os titulares de créditos não sujeitos à recuperação (art. 49, §§3° e 4°), assim como os credores não sujeitos ao Plano (art. 45, §3°), credores que tiveram o crédito impugnado (art. 8°), bem como os arrolados no art. 43 possuem legitimidade para a apresentação de objeções ao Plano e, em consequência, provocar a convocação da Assembleia Geral de Credores para analisá-lo.

    Considerando a abrangência conferida para a apresentação de objeções e os efeitos decorrentes para o processo de recuperação judicial, questão que desperta interesse refere-se à possibilidade de o juiz, constatando a existência de objeção manifestamente inconsistente ou apresentada para a finalidade exclusiva de gerar a prorrogação desnecessária do processo de recuperação, indeferi-la e deixar de convocar a Assembleia Geral de Credores para a análise do Plano.

    O art. 56 prevê que o juiz convocará a AGC havendo objeção de qualquer credor ao Plano, nada dispondo a respeito da natureza ou conteúdo da objeção, mostrando-se necessário saber se a simples apresentação de objeção ao Plano por credor, independentemente de seu conteúdo e forma, determina a convocação da Assembleia Geral de Credores pelo juiz.

    Cediço que a objeção deve ser elaborada de forma criteriosa e responsável pelo credor, diante da possibilidade de configurar abuso de direito em razão dos interesses relacionados e do efeito previsto no caput do art. 56.

    A determinação legal permite o surgimento das seguintes indagações:

    a) a apresentação de objeções por credores não sujeitos ao plano exige, necessariamente, a convocação da Assembleia Geral de Credores pelo juiz?

    b) a apresentação de objeções contendo elementos que podem ser facilmente solucionados diante de manifesto equívoco exige necessariamente a convocação da Assembleia Geral de Credores pelo juiz?

    Considerando exclusivamente o disposto no art. 56, caput, a resposta é positiva para as duas perguntas, diante da necessidade de o juiz atender à formalidade legal.

    Não obstante, identifica-se na doutrina entendimento mais flexível sobre a questão:

    “O credor poderá objetar o plano, no curso do prazo de 30 (trinta) dias contados ou da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do artigo 7º, ou da publicação do aviso do artigo 53 sobre o recebimento do plano de recuperação, caso na primeira hipótese ainda não se tenha o plano nos autos.

    Esta objeção ao plano de recuperação, quando formulada nos moldes da lei, leva à necessidade de convocação de Assembleia Geral de credores por parte do Juiz.

    Contudo, a lei não menciona acerca da natureza da objeção que possa levar o juiz à convocação da assembleia. Será qualquer objeção de ordem formal ou material que gerará esta conseqüência? Pensamos que não. Pode haver objeção que não se relaciona efetivamente ao plano de recuperação, mas sim a questões de diversas ordens que possam envolver o credor que objetou e a devedora, concernentes ao negócio jurídico subjacente.

    Ainda, pode ser apresentada como objeção, alguma inconformidade por parte de credor que sequer é concorrente na recuperação judicial.

    Pode ainda o devedor, prontamente, refutar os argumentos de objeção a demonstrar que os mesmos não são válidos, gerando o conformismo daquele que objetou.

    Nestes casos e assemelhados, entendemos pela desnecessidade da convocação da assembleia de credores por parte do juiz.

    A objeção tem aqui a intelecção de contrariedade e esta contraposição deve ser formulada pelo credor diretamente sobre o plano de recuperação judicial, seu conteúdo, consistência e fundamento, gerando assim, a necessidade de convocação de Assembleia Geral.

    Todavia, uma vez não havendo objeção de qualquer credor ou, ainda, solucionados os temas que possam ter gerado objeção com uma posição favorável daquele que objetou, após o curso do prazo previsto no artigo 55, o juiz concederá a recuperação judicial, por ter entendido ter sido o plano aprovado tacitamente. A este conjunto de providências que redundam na aprovação do plano, demos a denominação de sistema de aprovação tácita e o seu fundamento se encontra na primeira parte do caput do artigo 58 da lei”.[3]                 

    Analisado o tema com base nessa visão, havendo apresentação de objeções ao Plano, o juiz, auxiliado pelo administrador judicial, deveria analisar o conteúdo da objeção para verificar a existência de fundamentos relevantes e justificadores para a sua apresentação.

    De acordo com o entendimento apresentado, a simples apresentação de objeções ao Plano não deveria constituir pressuposto inarredável para a convocação da Assembleia Geral de Credores, já que as objeções podem abrangem questões que seriam facilmente esclarecidas sem a convocação da AGC.

    Diante de objeções manifestamente inconsistentes pelos equívocos dos seus conteúdos, o juiz deveria, visando à celeridade processual e ao atendimento dos interesses dos credores, buscar soluções que permitam o saneamento dos pontos controvertidos sem a necessidade da AGC.

    Na hipótese de o credor objetor, ou mesmo outro credor,discordar da decisão judicial que defere a recuperação judicial sem a convocação da Assembleia Geral pelo fato da objeção mostrar-se comprovadamente inconsistente, poderia interpor Agravo de Instrumento para expor o seu inconformismo ao Tribunal.

    Referido procedimento, ao mesmo tempo que permite ao juiz do processo de recuperação judicial afastar objeções manifestamente inconsistentes ou meramente protelatórias para assegurar a celeridade processual mediante a ausência da convocação de uma Assembleia Geral de Credores totalmente desnecessária, também permite que o credor insatisfeito com a decisão judicial apresente Agravo de Instrumento, submetendo a questão ao Tribunal. 

    Não obstante, vem prevalecendo na prática o entendimento protocolar que a apresentação de objeção, independentemente do seu conteúdo, impõe ao juiz a convocação da Assembleia Geral de Credores para análise e votação do Plano de Recuperação Judicial.

    11. O prazo legal para a realização da Assembleia Geral de Credores e o prazo de suspensão das ações previsto no art. 6°, §4°, da Lei n° 11.101/2005

    De acordo com o art. 56, §1°, a data designada para a realização da Assembleia Geral de Credores não pode ultrapassar o prazo de 150 dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

    A finalidade do legislador de atribuir celeridade ao processo mediante a fixação do referido prazo, embora louvável e em consonância com os demais prazos previstos na Lei n° 11.101/2005, dificilmente é cumprido na prática.

    O descumprimento do prazo de 150 dias para a realização da Assembleia Geral de Credores não possui consequências previstas na Lei n° 11.101/2005, entretanto, a ausência da AGC para deliberar sobre o Plano no prazo legal apresenta desdobramentos decorrentes do disposto no art. 6º, §4°, quanto à suspensão das ações pelo prazo de 180 dias, exigindo da Recuperanda atenção para a prorrogação do prazo de suspensão das ações (stay period) para impedir o restabelecimento do direito dos credores de iniciarem ou continuarem suas ações e execuções antes da votação do Plano na Assembleia.

    Conforme se constata, o legislador estabeleceu prazos que se encontram dependentes entre si para o êxito da recuperação judicial e, a partir do momento em que o Plano de recuperação judicial não é aprovado pela Assembleia Geral de Credores antes do término ordinário ou extraordinário de suspensão das ações, a novação prevista no art. 59 não se efetiva e o Devedor em crise fica exposto às consequências decorrentes do restabelecimento do direito dos credores iniciarem ou continuarem as ações e execuções.

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